Estamos todos conectados e comemoramos felizes o fato de fazermos, com um toque do dedo, coisas que antes exigiam deslocamento, fila, trânsito, enfim, muito tempo e esforço físico envolvidos. Quem tem mais de 30 anos sabe o que significava ficar, várias vezes por mês, horas e horas em filas de bancos, sempre lotados, para pagar qualquer conta, para sacar qualquer pedaço de salário e para descontar cheques, tudo exclusivamente no caixa. Informar-se só era possível via televisão ou com a compra de produtos em livrarias ou bancas de jornais e revistas. Dando um pulo no tempo, de meados da década de 90 para cá, o que houve foi mais do que uma revolução tecnológica. Foram mudanças abissais de comportamento e o surgimento de novas formas de sociabilidade.
Dificilmente haverá alguém nostálgico desses tempos, com saudade da vida antes da existência dos instrumentos tecnológicos que fazem parte de todas as nossas rotinas, cujo reinado absoluto é do celular, ou melhor, do smartphone, pois a coisa que menos se faz com um celular, hoje, é telefonar. Que a tecnologia nas últimas três décadas melhorou radicalmente a vida, é impossível duvidar. As mudanças foram de uma escala tal que estudantes de jornalismo chegam ao ponto de não se sentirem nem um pouco constrangidos de, na sala de aula, transformarem ignorância em altivez, ao perguntarem: quem é o imbecil que, nos dias de hoje, com a internet e as redes sociais, ainda gasta dinheiro com assinatura de jornal ou revista? Creiam, quem pergunta isso pretende ganhar a vida, profissionalmente, vendendo informação. Citar Cristo não deve ser pecado, desde que com o devido crédito. Oh, Pai, eles não sabem o que dizem.
CAVERNA – A tese de que a tecnologia nos permite acesso absolutamente gratuito a uma série de coisas, dados e até a estados afetivos, proporcionados por um punhado de likes, é tão equivocada quanto ingênua. A cada e-mail que enviamos, cada pesquisa que fazemos, orçamento, clique, visita a sites, postagem em redes, página que curtimos, casa compra on line, estamos dando, de graça e literalmente, todos os dados de nossas vidas. Trocando em miúdos, tudo o que a rede nos oferece de modo aparentemente gratuito é muitíssimo bem pago, sem que a maioria jamais venha a se dar conta, justamente com o que temos de mais valioso: todos os dados sobre nossas vidas, finanças, rotinas, intimidades e preferências.
Tudo o que consumimos nas redes e consideramos como hobby ou lazer não passa de publicidade sofisticada. E é você quem está sendo vendido. Se isso se dá à sua revelia, saiba que o acordo é tácito. Ao usarmos determinado serviço na web, automaticamente estamos aceitando a regra do jogo e entregando aquilo que é caríssimo: nossos dados, com todos os riscos que isso implica. O que fazer para fugir disso? Pelo jeito, a única opção disponível é a volta para as cavernas, coisa que ninguém está disposto a fazer.
SEQUESTRO DE SI – Como todo mundo deve ter sabido, de alguma forma, a semana foi marcada por um dos acontecimentos mais importantes já ocorridos no mundo ciber. Um ataque coordenado de hackers atingiu mais de 70 países, sequestrando arquivos e dados de organizações, codificando os conteúdos e pedindo resgate, em dinheiro, sob ameaça de destruir ou tornar tais arquivos públicos, caso o pagamento não fosse feito. Fatos como esse devem se tornar cada vez mais comuns daqui para a frente e já começam a atingir pessoas, individualmente, sequestrando tudo o que se tem em um computador pessoal ou celular, por exemplo, na mesma lógica dos sequestros relâmpagos que acontecem nas ruas. Perde-se todo o conteúdo e este só é devolvido mediante resgate financeiro.
Quem está preparado para lidar, publicamente, com a vinda à tona de tudo o que existe sobre si no computador pessoal, na caixa de e-mail e no celular? Ter esses dados sob o controle de um sujeito ou organização criminosa que podem estar em qualquer lugar do mundo equivale a um sequestro de si, de boa parte do que circula por nossas atividades profissionais, pessoais, ações, nossos rascunhos da vida, dados e conteúdos, só que desapartados do corpo. Viver sob o risco de ter tudo isso controlado por desconhecidos aproxima-se de uma sensação esquizofrênica, como se vozes ou entidades nos rondassem ameaçando apertar uma tecla que explode de vez a noção de privacidade.
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