28 de março de 2024
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A mentira se empoderou


Uma data apropriadíssima para fazer trolagem, para usar uma palavra da vez, com amigos, familiares e colegas de trabalho era o dia 1º de abril, dia da mentira. Sinto muito informar, mas que morte horrível a das brincadeirinhas criadas para colocar em prática nessa data. Em 2017, propor-se a pegar alguém desatento no dia da mentira pareceu tão cafona e constrangedor como aquele tio chato, que todo mundo tem, que se acha o Bussunda da família, mas que não passa de coitado a quem ninguém dá a real por afeto, e que nas festas insiste em fazer as mesmas brincadeiras das quais ninguém acha a menor graça. Já está na hora de alguém escrever o obituário: o 1º de abril morreu.
E o dia da mentira morreu, que se registre isso em obituários, epitáfios e lápides, não porque o objeto que lhe dava sentido saiu de cena ou murchou por invalidez e decadência. Muito pelo contrário. A data morreu e perdeu o sentido, por mais lúdica que ele fosse, porque a mentira seguiu o verbo da moda, se empoderou, e tornou-se dona da p€£¥# toda. A mentira não quer e não tem mais um dia para chamar de seu. Tem todos. Todo dia, agora, é dia da mentira.
POMBO – Como palavra da modinha, de tão usada, pós-verdade é a nova pós-modernidade. Como fenômeno, é o nome mais novinho para a mentira, só que uma mentira séria, seríssima, se é que isso existe. Ou seja, uma mentira criada estrategicamente e posta em circulação em ampla escala, seja local, nacional ou global, dependendo daquilo a que se refira, graças às possibilidades disponíveis de espalhamento imediato e incontrolável via redes sociais digitais e aplicativos de compartilhamento de informação usados por praticamente todo mundo, com o propósito de provocar consequências. Os efeitos da pós-verdade, ou da modalidade atual de espalhar uma mentira podem, e costumam ser implacáveis: elegem presidentes fora da caixinha, destroem reputações de pessoas e marcas em um clique e podem levar à falência em questão de horas instituições econômicas de cuja solidez ninguém ousava duvidar.
Desde que o dicionário Oxford, inglês, elegeu pós-verdade (post-truth) como a palavra do ano de 2016, não se fala de outra coisa e praticamente não há uma semana que o mundo, o país ou o quintal que habitamos não sofra um estremecimento por conta de uma pós-verdade, que já vem ganhando outras terminologias semânticas, como fatos alternativos e fake news. No Brasil, por exemplo, na esteira da Operação Carne Fraca, da Polícia Federal, que espalhou para meio mundo que as principais marcas produtoras de carnes estavam vendendo produtos podres, com papelão e substâncias cancerígenas, os produtores de fake news trataram logo de dissolver pombos na fabricação de um dos produtos preferidos dos brasileiros: a cerveja.
SURREAL – Um vídeo mostrando pombos triturados na linha de produção da principal cervejaria nacional, e uma das maiores do mundo, foi compartilhado no Brasil inteiro e obrigou a marca a gastar milhões. Mas como a publicidade não dá ponto sem nó, a cervejaria fez do limão dos pombos triturados uma limonada dessas de ganhar prêmio. Usou o cadavérico dia da mentira, o 1º de abril, para construir um anúncio veiculado no horário nobre da TV brasileira em que o protagonista era um pombo e o argumento, o perigo das fake news. O alerta: o pombo da mentira que pousou na cervejaria pode pousar amanhã sobre a reputação da sua família.
O fato é que a mentira se empoderou no mundo, continua conquistando cada dia mais poder via novas tecnologias e está acuando os veículos de Comunicação. Todas as grandes empresas que vivem de vender notícias ao público estão com as mãos arrancando os teclados, sem saber como agir, já que vêm se tornando vítimas preferenciais. Os criadores de notícias mentirosas copiam as logomarcas desses veículos e atribuem a eles a autoria das notícias falsas ao disseminá-las nas redes. Na última sexta-feira (31 de março), circulou em São Paulo uma edição impressa inteiramente falsa do jornal O Globo, trazendo como manchete a renúncia do presidente Temer. Todas as notícias eram falsas, exceto o nome dos jornalistas que as assinavam. O Globo não quis saber de referência ao 1º de abril e está tratando o caso como crime. Não foi à toa que “surreal” foi a palavra do ano eleita pelo dicionário americano Webster, inspirado pela eleição de Donald Trump. Que o 1º de abril descanse em paz

O Boletim

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