Entre a possibilidade de apostar na perspectiva de uma carreira de sucesso como cantor e a de apostar na transformação, na cadeia, de um garoto de 19 anos em mais um pós-graduado no crime, adotado por e a serviço de uma facção criminosa, por que tanta gente prefere a segunda alternativa? Desde que Ítalo Gonçalves da Conceição, 19 anos, o MC Beijinho, emergiu do anonimato ao sair dos fundos de uma viatura, preso por estar roubando celulares armado com uma faca, cantarolando uma composição sua diante das câmeras de um programa popular de TV, essa tem sido a pergunta escondida sob o debate gerado pelo sucesso do rapaz.
Objeto de matérias em toda a imprensa brasileira, dos grandes veículos nacionais aos blogs hiperlocais do interior do estado, o autor do hit Me Libera Nega foi autorizado pela Justiça a participar do Carnaval, mesmo ainda cumprindo uma série de regras determinadas por conta do crime que cometeu e da consequente prisão. O sucesso de MC Beijinho, a fama, a visibilidade e a circulação no meio artístico, sob as bênçãos de nomes como Caetano Veloso, Regina Casé, Daniela Mercury, Márcio Vítor e Luan Santana, certamente devem suscitar em muita gente alguma reflexão otimista. Ou seja, o caso não deixa de mostrar a possibilidade de, mesmo após uma incursão no crime, uma vez havendo uma chance, todos esses jovens que servem de mão de obra para o exército do crime poderiam ter sua vida e seu futuro reescritos. Não, ninguém aqui está dizendo que o caminho para isso é sair cantando da viatura diante das câmeras de TV dos programas populares. Esse foi apenas um caso e, se Ítalo cantou, foi porque já o fazia antes.
Justiçaria
Por outro lado, se lê nos comentários de jornais e sites e nas redes sociais pessoas completamente indignadas com o fato de Beijinho não continuar preso, preferindo, talvez, ignorar que sua “soltura” obedece a uma série de restrições determinadas judicialmente e que têm sido obedecidas. O que dizem essas pessoas? Que este é um país onde só ladrão tem oportunidades e que o lugar de Ítalo não é no palco, mas na cadeia. Há, diante do sucesso do rapaz e da sua música, uma claquete formada por uma espécie de coro dos inconformados, cujos apelos são por uma justiçaria a qualquer custo, por uma volta de Beijinho ao camburão.
Tendo em vista o caos do sistema penitenciário brasileiro, que não recupera ninguém, mas sim treina e aperfeiçoa os autores de crimes mais brandos até torná-los tão agressivos e perigosos quanto as lideranças de cadeia que os adotam, não custa perguntar: o que ganhariam as pessoas revoltadas com o sucesso de Me Libera Nega se Beijinho agora estivesse na cadeia em vez de começando a construir uma carreira musical? Para a sociedade, o que é mais gratificante? A salvação, pela via da música ou do que quer que fosse, de uma pessoa que já estava com o pé no crime ou o aperfeiçoamento, na cadeia, desse indivíduo até o topo da criminalidade? No fundo, é a isso que se refere o debate entre quem não vê nada demais no sucesso e na fama do rapaz e quem vê o caso como se fosse uma questão pessoal e manifesta com raiva o desejo de cadeia para Ítalo.
Glamourizar o roubo
Colocar o caso Beijinho nesses termos, ou seja, questionar quem perde com o seu sucesso e quem ganharia com ele mofando na cadeia em sua primeira prisão, aos 19 anos, não equivale a glamourizar o roubo, reivindicar o mesmo tratamento para todos os presos em seus diferentes contextos e modalidades de crime e tampouco desvalorizar o trabalho da polícia e da justiça. Trata-se tão somente de enxergar no episódio uma possibilidade de superação, e de reconstrução de uma vida, o que, mesmo que envolva UMA única pessoa, já é melhor do que assistir à transformação de um ser humano em um monstro desses produzidos em série nos presídios brasileiros.
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