28 de março de 2024
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História para ninar gente grande

A Estação Primeira de Mangueira, tentando lacrar, recriou a história do Brasil, desfilando ao som da nova versão do “Samba do Crioulo Doido”. Desculpem-me os politicamente corretos, queria dizer “Samba do Afrodescendente com Disfunção Cognitiva”. Lamento, Sérgio Porto, o Brasil perdeu o senso de humor.

O enredo “História para ninar gente grande” é um amontoado de tolices. Na impossibilidade de comentar todas, deter-me-ei na versão da Abolição. A vol‘oiseau, claro. Ganhará uma viagem à África (ida-e-volta) quem marcar a resposta correta à pergunta: quem foi o/a responsável pela liberdade dos escravos brasileiros?
Princesa Isabel.
Dandara
Zumbi
Floriano Peixoto
A Revolução Industrial inglesa.
Acertou quem marcou a opção E. O que contou, realmente, foram os interesses econômicos. A abolição brasileira é descendente direta de um novo modo de produção, a revolução industrial. A pressão da Inglaterra para o mundo ficar bonzinho visava somente o lucro. Dela, of course.
Sobre a Abolição há muito o que se escrever. Principalmente, o quanto foi mal planejada. Até hoje, um segmento da sociedade brasileira, os descendentes dos escravos libertados a toque-de-caixa, pagam um alto preço pela improvisação desse momento político.
Já que a Mangueira queria falar no heroísmo dos seres trazidos à força para o Brasil, por que se deter em Zumbi, que reproduziu em Palmares a organização social que conhecia, passando a ser ele, Zumbi, o senhor da vida e da morte dos fugitivos que se refugiavam no quilombo? Por que citar Dandara, se há quem questione se ela realmente existiu? Por que, meu Deus, falar novamente em Marielle?
A Mangueira teria acertado mais explorando, por exemplo, a história dos Malês, que lideraram todos as lutas abolicionistas na Bahia. Foram derrotados no que ficou conhecido como a Revolta dos Malês (1835), quando enfrentaram outros escravos aliados às tropas brasileiras. Exatamente, tropas já brasileiras. Há doze mil anos, como a Mangueira quis definir a nossa brasilidade, só existiam tribos de caçadores-coletores sem identidade cultural. Aconselho a leitura de “Sapiens, uma breve história da humanidade”, Yuval Noah Harari, editora L&PM.
Sem cobrar direitos autorais, em sincero 0800, apresento uma sugestão de enredo para qualquer Escola de Samba que, ano que vem, não pretenda desfilar a sua esquizofrenia na Sapucaí: a valente trajetória dos escravos malês, que desestabilizaram as senzalas com novas ideias, frutos de sua superioridade intelectual. Eles, além da Inglaterra – uns realmente buscando a liberdade; a outra, atrás de mais dinheiro para engordar a poupança – deram enorme força à Abolição.
Antes que me esqueça. O Malês eram negros de diversas etnias, unidos pela religião islâmica. Todos desembarcaram no Brasil alfabetizados em árabe – muitos eram bi ou trilingues –, e com nível de instrução maior do que os senhores que os compravam. Revoltados com a condição em que se encontravam, eles fizeram o que faziam de melhor. Escondidos, escreveram e pregaram, transformando o ambiente escravocrata brasileiro.
O resto é história para ninar gente grande.
Não passa de bobagem.

O Boletim

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