A rapidez com que os fenômenos se encorpam e se propagam em tempos de redes sociais é assustadora, embora, frequentemente, o tempo que levam para sumir seja ainda mais curto. Nas últimas semanas, nas quais qualquer notícia enfrenta toda a sorte de dificuldade para ganhar espaço, destaque e relevância na imprensa brasileira, por competir com a avalanche de escândalos sucessivos paridos pela Lava Jato, o fenômeno “baleia azul” foi catapultado à condição de manchete, mesmo sendo um fenômeno até aqui muito mais virtual e potencial do que concreto.
A existência de um desafio, em ambiência digital, que levaria adolescentes ao suicídio não é pouca coisa, claro, mas exige no mínimo uma reflexão, se não sobre o papel do jornalismo em casos dessa natureza, mas sobre os desafios da imprensa diante deles.
Partindo-se do pressuposto de que o papel do jornalismo é noticiar os fenômenos que se dão na sociedade, os veículos de imprensa não estariam fazendo outra coisa senão cumprir o dever de tornar público um desafio virtual que viralizou em diversos países e está alarmando de famílias a escolas, passando pela polícia e por profissionais de saúde mental. No entanto, é bom não perder de vista que o desafio da baleia azul é, até aqui, algo muito mais parecido com um boato global, uma lenda urbana virtual, do que um caso concreto de estímulo ao suicídio.
Os números não nos deixam mentir. Não há UM caso concreto registrado em qualquer lugar do mundo até agora, tampouco no Brasil, onde 10 casos de suicídios recentes estão sendo investigados pela Polícia Federal, que busca verificar se as vítimas foram ou não aliciadas por “curadores” do baleia agindo sob o anonimato das redes digitais.
Chama a atenção, inclusive, o fato de praticamente todos os verbos usados nos textos sobre o assunto serem no condicional: teria, seria, estaria, etc. Nem mesmo a informação de que o fenômeno de convite ao suicídio de jovens via web surgiu na Rússia tem qualquer prova concreta. Tomara que todo mundo possa, dentro de pouco tempo, se referir a esse assunto nesses termos: lembra quando todo mundo ficou apavorado pela lenda do baleia azul?
Se ficar provado que tudo não passou de uma informação falsa viralizada, como aquela de que jovens acordavam dentro de uma banheira de gelo e se davam conta de que alguém havia arrancado órgãos internos do seu corpo para uma máfia de transplantes (resta pensar como alguém pôde acreditar que alguém ficaria vivo após ter rins, fígado e outros órgãos extirpados, como num açougue), a imprensa terá contribuído para o alarme falso. Mas se o tal fenômeno servir para que tabus como o suicídio e a depressão entre adolescentes e jovens sejam debatidos sem preconceito, ao invés de empurrados para baixo dos tapetes familiares, a histeria coletiva terá deixado um bom legado.
Como em casos de informações duvidosas a imprensa pode ser uma presa fácil, e assim tornar um paradoxo o ato de informar, ficando entre o esclarecimento necessário e a propagação de uma farsa, todo cuidado por parte dos jornalistas é pouco. Em um caso como esse, da tal baleia azul, o desafio fica estampado: ao dar tanto espaço e até mesmo voz a algumas pessoas que naturalmente já tinham pouco a dizer, a não ser superdimensionar algo sobre o que se sabe tão pouco, onde fica a encruzilhada entre a boa prestação de serviço informativo à população e a divulgação e promoção de uma informação viral, levada a pessoas que sequer sabiam do assunto antes da imprensa divulgá-lo?
As respostas aceitáveis para que o desafio virtual venha sendo levado tão a sério pela imprensa e seja objeto de tanto espaço são apenas duas: é melhor pecar pelo excesso (promoção da informação sobre o jogo) do que pela omissão (silenciar sobre o caso); pelo menos o episódio contribui para desmistificar o suicídio e a depressão entre os jovens.
Um dos erros que a informação ligeira sobre esse assunto incorre, visto em abordagens mais sensacionalistas, é a conclamação de pais para, diante da menor suspeita de que os filhos possam estar envolvidos com o desafio mortal da baleia, procurarem imediatamente a polícia. Embora quem alicie jovens para o suicídio seja mesmo caso de polícia, só mesmo a ignorância pode acreditar que um jovem absolutamente saudável pode aceitar um convite de suicídio porque um desconhecido apareceu com essa proposta.
Pessoas deprimidas, vulneráveis e com ideações suicidas sucumbem a qualquer estímulo, interno ou externo, e parece óbvio ressaltar que a primeira porta onde buscar ajuda deve ser a de psiquiatras e profissionais de saúde mental. Façamos um exercício e imaginemos um adolescente deprimido, que já não vê nenhum sentido na vida, sendo levado pelos pais a uma delegacia porque estes suspeitaram dos riscos de uma informação viral em um celular ou computador da casa. Muita calma nessa hora. Polícia é polícia, mas doença ainda continua sendo doença e, como tal, antes de ser caso de polícia, deve ser objeto de tratamento. Até que se prove o contrário, parece mais sensato deixar filhos deprimidos longe da delegacia.
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