25 de abril de 2024
Sergio Vaz

O STF desfez o despropósito de Marco Aurélio

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Sérgio Vaz rema contra a maré sanguinolenta.
As redes sociais foram tsunamizadas por uma onda impressionante de indignação com a decisão tomada por 6 a 3 votos dos ministros do Supremo Tribunal Federal nesta quarta-feira, que exclui Renan Calheiros da linha sucessória do presidente da República, mas não força o Senado Federal a ter outro presidente.
Nove entre dez internautas saíram maldizendo o STF por não ter destituído Renan Calheiros da presidência do Senado.
Para essa imensa maioria de brasileiros, não importa muito o que diz exatamente a Constituição, o que precisamente estava sendo julgado: queriam “fora, Renan” – e, como Renan ficou fora apenas da linha sucessória, mas continuou presidente do Senado, sobraram manifestações bravíssimas de protesto contra a Suprema Corte.
Como acontece quando a Seleção Brasileira perde, e uns 120 milhões se dizem melhores técnicos do que o técnico da Seleção, viramos todos constitucionalistas desde criancinhas, muito mais sábios que o decano Celso de Mello.
Nem o fato óbvio, claríssimo, incontestável, de que na prática, na tal da realidade dos fatos, Renan permanece presidente do Senado por apenas mais 20 dias, porque aí vem o recesso de fim de ano, e quando o Senado voltar a trabalhar, em fevereiro, haverá eleição de novo presidente e de toda nova mesa diretora para o próximo biênio, serve para acalmar o furor da massa.
A massa está agitada, nervosa, impaciente – e quer sangue.
Há carradas de razões para isso. As pessoas têm montes de motivos para estarem impacientes, cansadas – e a impaciência, o cansaço, o stress levam a posições mais extremadas, agitadas, nervosas. Faz mais de 13 anos que o país foi lançado num Fla x Flu, num jogo de nós x eles, de mocinhos x bandidos. O saldo de 13 anos e 5 meses de governo lulo-petista foi a maior crise econômica, social, política e moral da História do Brasil.
Nessas horas, é extremamente difícil manter a cabeça fria, tentar raciocinar mais do que optar por palavras de ordem, por posições fechadas, rígidas.
Nestes últimos dias, me distanciei da imensa maior parte das pessoas com quem troco informações, mensagens, no Facebook e no Twitter.
***
Ponto 1 – A liminar do ministro Marco Aurélio Mello foi um erro.
Na segunda-feira, 5/12, em decisão solitária, monocrática, o ministro Marco Aurélio Mello – que não é assim propriamente conhecido como um juiz calmo, sereno, judicioso, pouco afeito a gestos espalhafatosos – destituiu o senador Renan Calheiros do cargo de presidente do Senado. Usou como desculpa para ser manchete dos jornais (e tornar secundária a notícia – fundamental para o país – de que estava pronto o projeto de reforma da Previdência Social) uma ação da Rede, o partideco que Marina Silva usa para chamar de seu.
Marco Aurélio adora ver sua própria imagem nos jornais, nas telas de TV – e conseguiu o que queria. Não poderia ter tido timing mais preciso, em termos de marketing, já que sua decisão foi anunciada menos de 24 horas depois de multidões saírem às ruas em praticamente todos os Estados do país em apoio à Lava Junto e contra as manobras para favorecer corruptos. Um dos gritos mais ouvidos nas manifestações – e eu gritei também na Paulista, é claro – foi o “fora, Renan”.
Menos de 24 horas depois do coro “fora, Renan”, Marco Aurélio Mello, um dos mais midiáticos de todos os personagens da vida pública que este país já teve nos últimos 516 anos, expediu uma liminar determinando fora, Renan.
Goooool do Marco Aurélio – agora era só correr pro abraço! Brasil, sil, sil.
O problema é que ele estava impedido.
“O reconhecimento de que Renan não faz bem à vida pública nacional não modifica, no entanto, a inconveniência, a imprudência e a destemperança da decisão liminar do ministro Marco Aurélio, do Supremo Tribunal Federal (STF), de afastar o senador do exercício da presidência da Casa. Por todos os ângulos que se vê, a decisão do ministro Marco Aurélio causa profunda estranheza”, escreveu o Estadão em editorial nesta mesma quarta, 7/11.
Ainda bem que os editorialistas do Estadão não entraram no clima geral de Fla x Flu. E escreveram:
“Trata-se, em primeiro lugar, de uma excepcionalíssima interferência do Poder Judiciário no Poder Legislativo para que seja feita liminarmente por um único ministro. Criou ele um conflito entre Poderes – ou ele esperava que o Senado recebesse passivamente a deposição de seu presidente? – que só desestabiliza ainda mais a já atribulada política nacional e perturba os combalidos meios de produção. E para quê?
“Haja pressa para justificar uma decisão liminar desse teor. É difícil de explicar tamanho açodamento frente ao tempo que o próprio STF levou para decidir sobre o inquérito envolvendo Renan Calheiros. Foram nove anos de indecisão, nos quais a Corte mais parecia um gato a brincar com um novelo de linha de lã, num tempo absurdo para decidir sobre o destino de qualquer pessoa – nem se fale de uma investigação com tamanha repercussão sobre a vida institucional brasileira.”
O respeitável site Consultor Jurídico publicou um artigo assinado por Lenio Luiz Streck, professor de Direito Constitucional. Disse ele:
“A decisão do ministro Marco Aurélio, afastando da Presidência do Senado o senador Renan Calheiros, mostrou-se um perigoso equívoco. Não há previsão constitucional para esse afastamento. Estamos indo longe demais. O Supremo Tribunal Federal não é o superego da nação, para usar uma frase da jurista Ingeborg Maus, ao criticar o ativismo praticado pelo Tribunal Constitucional da Alemanha. Vou invocar uma frase famosa que eu mesmo fico repetindo e que é da autoria do ministro Marco Aurélio: os poderes da República são Legislativo, Executivo e Judiciário e não o contrário. Quando ouvi isso da boca do ministro, vibrei! Eu disse: Bingo! Só que agora o ministro fez o contrário do que havia dito.”
E mais adiante:
“Sou um jurista que defende a Constituição naquilo que o constitucionalismo foi cunhado pela tradição democrática. Proteção contra injunções morais e politicas. O Supremo Tribunal Federal, desse modo, comporta-se moralmente. E Direito não é moral. A moral não corrige o Direito. Quem deve tirar o presidente do Senado é o Senado. Seria inconcebível que o Senado ou Legislativo lato sensu quisesse tirar o presidente da Suprema Corte. Onde estão as relações institucionais? No mínimo, a decisão teria que ser proferida pelo Plenário da Corte. Qual é a urgência?”
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Ponto 2 – Quem tem que tirar Renan da presidência é o Senado, e ninguém mais.
Imiscuir-se nas questões internas de um outro poder não é dever do Judiciário. Simples assim.
O Supremo Tribunal Federal, pela maioria clara de votos, 6 a 3, definiu que Renan Calheiros não pode entrar na linha sucessória do presidente da República. Fez o que tinha que fazer.
Agora, tirar Renan Calheiros da presidência do Senado, isso não é tarefa de um outro poder, é tarefa do próprio Legislativo.
Nós, os milhares e milhares que fomos às ruas no domingo pedir apoio aos que lutam contra a corrupção, e fora os que defendem os corruptos e atacam quem combate a corrupção, nós pedimos “fora, Renan” – mas quem decide quem preside o Senado é o Senado.
Vai explicar isso pras milhares de pessoas, disse um amigo meu, bravo com minha postura pró-decisão do STF.
Ué – bora lá! Vamos explicar, uai.
O que não pode é achar que, porque nós fomos às ruas e pedimos “fora, Renan”, cabe ao STF botar Renan pra fora!
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Ponto 3 – Metem o pau no STF porque ele tentou apagar um incêndio.
Juristas poderão talvez indicar que, pela tecnicalidade A somada à tecnicidade B, cruzada com o parágrafo único do artigo 122 alínea 3, os seis ministros do Supremo que decidiram por tirar Renan Calheiros da linha sucessória, embora não o tirando da presidência do Senado, estão errados.
É. Poderão. Pode ser. Talvez si, talvez no, como diria Atahualpa Yupanqui, ele mesmo um tanto jejuno em tecnicalidades da lei, assim como eu.
Montes de pessoas bem pensantes neste país passaram as últimas horas lastimando, lamentando, que o STF tenha no final se decidido por um “acordão”, uma “meia-sola”, uma “solução capenga”.
Queriam que a corda esticasse mais. Queriam que o choque entre os poderes se estressasse ainda mais.
Queriam que o Supremo jogasse gasolina na fogueira.
Ficaram bravíssimos quando o Supremo jogou sobre a fogueira água em vez de gasolina. Frustrados porque o circo não acabou de pegar fogo, reclamaram que o STF rendeu-se a uma saída política.
Mas, diabo, o que é uma Suprema Corte senão um tribunal que une a letra fria da lei à política?
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Ah, sim: que foi um absoluto absurdo Renan e a mesa do Senado não terem obedecido à liminar?
Claro que foi. Óbvio. Não há o que discutir.
A procuradoria-geral da República que dê tratos à bola para tipificar o crime cometido pelo cangaceiro e sua turma, e processo em cima da corja!
Ah, sim número 2: claro, Gilmar Mendes não poderia nunca jamais em tempo algum dizer para um jornalista que Marco Aurélio Mello é doido. Que Marco Aurélio tem problemas psiquiátricos sérios relacionados a auto-estima – mais ou menos como Lula, talvez -, parece não haver dúvida. Eu posso dizer isso, mas um ministro do Supremo não pode, de forma alguma.
Gilmar Mendes, na verdade, na verdade, é muito parecido com Marco Aurélio, na sua compulsão por ver seu nome nas manchetes.
Eles até fazem um certo pas de deux – quando um vai para o extremo de lá, o outro vai para o de cá, só pra chatear, só pra tentar ver se conseguem uma manchete. Danado de infeliz pas de deux dos diabos.
***
Me sinto quase solitário. Mas não chego a ser o único a ver as coisas assim: dos 1.689 amigos que tenho no Facebook, tive o apoio de 12, quando fiz um post defendendo isso que estou defendendo neste texto.
Não é boa a sensação de estar quase solitário, com apenas uma dúzia pessoas do seu lado.
Mas me conforta a sensação de que estou reagindo aos fatos mais com a razão do que com o fígado, o estômago, o intestino.

O Boletim

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