25 de abril de 2024
Sergio Vaz

Lula, mais de 30 anos de serviços prestados à Odebrecht

Reportagem condensa a história das relações entre Lula e a empreiteira.
Por mais cansados que estejamos todos com a enxurrada de informações sobre a corrupção sistêmica que tomou conta do Brasil e foi institucionalizada nos 13 anos, 5 meses e 12 dias de governo do PT, ainda assim é impressionante a leitura da reportagem “Uma relação especial”, do Globo desta Sexta-feira Santa.
As repórteres Catarina Alencastro, Carolina Brígido e Letícia Fernandes reuniram trechos das delações de Emilio Odebrecht aos procuradores da Operação Lava-Jato em que ele historia seu relacionamento com Lula, desde os anos 70.
É coisa para Prêmio Esso. É para emoldurar na parede.
O patriarca conta que, nos anos 70, Lula ajudou a acabar com greve no polo petroquímico de Camaçari, da Bahia, em empresa do grupo Odebrecht.
Conta ter ouvido do general Golbery do Couto e Silva, durante o governo Geisel, na época em Lula despontava como uma nova liderança sindical no ABC paulista, a frase definitiva: “Emílio, Lula não tem nada de esquerda. Ele é um bon vivant”. Para os procuradores, Emilio Odebrecht completou: “E é verdade. Ele gosta da vida boa, gosta de uma cachacinha.”
Conta, com todas as letras, que, já na Presidência da República, Lula interferiu contra a Petrobras em benefício da Odebrecht, para que a empresa do grupo continuasse dominando o setor petroquímico brasileiro.
Conta que Lula interferiu para que o Ministério do Meio Ambiente (na época chefiado por Marina Silva) e o Ibama parassem de exigir licença disso e daquilo e permitisse logo o início das obras da Hidrelétrica de Santo Antônio, no Rio Madeira – tocadas, é claro, pela Odebrecht.
Conta que Marisa Letícia procurou um executivo da Odebrecht para que a empresa reformasse o tal sítio de Atibaia, para fazer uma surpresa a Lula quando ele saísse da presidência.
Conta que Lula pessoalmente pediu que a Odebrecht desse uma ajuda a seu sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos.
E tudo isso Emílio Odebrecht contou para os procuradores – e a reportagem do Globo resumiu para os leitores – da forma mais franca, aberta, clara, límpida possível.
Nessa matéria extraordinária, não se fala, no entanto, nos pedidos de Lula para que a Odebrecht desse uma ajuda a seu filho Luiz Cláudio, a seu irmão Frei Chico e a sua revista-amiga Carta Capital. Essas informações já haviam sido publicadas em matérias do Globo da quinta-feira, 13/3.
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Tudo o que Emilio Odebrecht historia sobre sua relação de mais de 30 anos com Lula, e a reportagem de Catarina Alencastro, Carolina Brígido e Letícia Fernandes resume, é impressionante.

Mas fiquei especialmente fascinado com a história de Marisa Letícia indo procurar a Odebrecht para pedir o favorzinho de “concluir as obras do sítio de Atibaia para fazer uma surpresa ao presidente assim que seu período no comando do governo terminasse”.
Pense o caríssimo eventual leitor aqui comigo durante 30 segundos: para que Marisa Letícia fosse procurar um executivo da Odebrecht para pedir esse favorzinho – uma obra para ser feita sem que Lula soubesse, uma surpresinha para ele –, é necessário que ela tivesse muita certeza de que à Odebrecht os Lula da Silva poderiam pedir qualquer coisa. Bastava pedir, porque a Odebrecht devia muitos favores ao chefe da família.
Mais três segundos para pensar sobre isso: quem será que tinha contado para Marisa Letícia que dava para pedir qualquer coisa à Odebrecht, que a empreiteira jamais negaria nada aos Lula da Silva?
Bem, alguém tinha contado isso para Marisa Letícia, que Deus a tenha.
Pode ter sido o filho Luiz Cláudio, que, afinal, já tinha recebido favores da Odebrecht.
Pode ter sido o cunhado Frei Chico, que também já vinha recebendo seus favores.
Pode ter sido o sobrinho Taiguara Rodrigues dos Santos, que igualmente já vinha recebendo favores da Odebrecht.
Pode até ter sido o Lula, não é mesmo? Quem sabe, depois de tomar umas, ele tivesse confidenciado à companheira-esposa: – “Ô Galega, se um dia cê precisar de um favor, fala com os hômi da Odebrexite. Eles me deve um montão de favor”.
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A íntegra da reportagem está aqui no site do Globo.
Faço questão, porém, de transcrever o texto aqui no 50 Anos.
Há na matéria uma menção a Mario Covas. Depois de transcrevê-la, faço um comentário sobre Mario Covas.
Uma relação especial
Emilio Odebrecht conta como Lula já defendia interesses da empreiteira desde os anos 70
Por Catarina Alencastro, Carolina Brígido e Letícia Fernandes
Próximo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva há mais de trinta anos, o empresário Emílio Odebrecht relatou, em seu depoimento de delação premiada, como o ex-sindicalista que se tornou presidente da República ajudou, durante décadas, a empreiteira que leva seu sobrenome.
Emílio conheceu Lula no fim da década de 1970, apresentado por Mário Covas, já falecido. Na época, o empresário enfrentava uma greve geral no Polo Petroquímico de Camaçari, na Bahia, e precisava de ajuda para aplacar os ânimos de seus funcionários. “Ele (Lula) criou as condições para que eu pudesse ter uma relação diferenciada com os sindicatos”, relata Emílio.
Rapidamente, a relação entre os dois se fortaleceu. Emílio diz que ficou impressionado com o petista:
“Ele pega as coisas rápido. Ele percebe aquilo que tem a ver com intuição pura. É um animal político, um animal intuitivo”, diz o empresário.
E conta que sempre “apoiou Lula”, com conselhos e financeiramente. Um dos pontos em que o empreiteiro teria ajudado a orientar a visão de mundo do petista foi na confecção da famosa “Carta ao Povo Brasileiro”, o documento divulgado durante a campanha de 2002 por Lula para serenar os ânimos do mercado financeiro em relação a sua possível eleição.
Emílio diz que a Odebrecht contribuiu para todas as campanhas de Lula, mas que o petista nunca tratou de valores. Por outro lado, quando Lula finalmente virou presidente, qualquer que fosse o problema enfrentado pela empresa, Emílio ia até o Palácio do Planalto pedir a intervenção do chefe da República. E era quase sempre atendido.
Em alguns casos, Emílio precisou transpor obstáculos colocados pela ex-presidente Dilma Rousseff, quando ministra de Minas e Energia e depois da Casa Civil, e Lula deliberou pelo menos em uma ocasião em prol do amigo. Emílio só chamava Lula de “chefe”, mas parece se gabar de, apesar da proximidade, nunca ter tido relação íntima, ou ter frequentado a casa do petista:
“Só estive uma vez no apartamento de Lula quando era sindicalista. E foi a melhor coisa que eu fiz. Pra ele e pra mim. A nossa relação, eu sou muito transparente. Eu gosto do Lula, confio nele, valorizo ele”, conta.
Uma preocupação grande de Emílio era quanto à possibilidade de “reestatização” da Petrobras. Um dia, quando já era real a chance de Lula se eleger, o empreiteiro procurou o petista e ele garantiu que não estatizaria o setor petroquímico. O empresário relembra uma conversa com o general Golbery Couto e Silva sobre Lula para dar sua visão sobre o ex-presidente:
“‘Emílio, Lula não tem nada de esquerda. Ele é um ‘bon vivant’ (teria dito o general). E é verdade. Ele gosta da vida boa, gosta de uma cachacinha, gosta de fazer as coisas e gosta de ver os outros, efetivamente, a coisa que ele mais quer é ver a população carente sem prejuízo, essa que é a versão mais correta, sem prejuízo de quem tem. Não é aquele negócio de tirar de um pra dar pro outro. Essa é a minha visão, por isso teve um alinhamento muito grande”.
Com Lula instalado no Planalto, Emílio tinha a liberdade de ir até o presidente e reivindicar que negócios feitos pela Petrobras em prejuízo da Braskem (braço da Odebrecht) fossem desfeitos, o que acabou acontecendo. Em outro momento, foi a Lula impedir que a Petrobras comprasse os ativos da Petroquímica Ipiranga, o que detonaria os planos da subsidiária da Odebrecht de espraiar seus mercados.
“Como negócio, seria um desastre”, resume Emílio aos procuradores. Dois anos depois de conseguir impedir o negócio, a própria Braskem comprou a Petroquímica Ipiranga.
Mais adiante, já no segundo mandato de Lula, em 2007, Emílio precisou dele devido a um problema na hidrelétrica de Santo Antônio, no rio Madeira, obra tocada pela Odebrecth. Uma das licenças ambientais que deveriam ser dadas ao empreendimento pelo Ibama estava travada por conta da reprodução dos bagres, que ocorria justamente no local previsto para a barragem.
“Eu disse: ‘O país precisa de energia e vai ser paralisado por causa do bagre? O senhor precisa tomar uma decisão’. Ele perguntou se eu já tinha falado com a ministra Dilma eu disse que sim, mas que era inócuo. ‘O senhor já deve ter percebido que eu não tenho simpatia por ela, que é muito dona da verdade. É uma pessimista em tudo’”, relatou Emílio ao procurador, revelando que não estendeu a relação que mantinha com Lula à sua sucessora.
Lula encampou a tese da empreiteira e transformou o episódio do bagre em uma referência frequente em seus discursos sobre como havia demora excessiva na concessão de licenças ambientais. O caso marcou o enfraquecimento da então ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que acabou deixando o governo.
As ajudas de Lula a Emílio foram recompensadas não apenas com as doações, que Emílio garantiu que ocorreram por meio de caixa um e caixa dois:
“Fique certo: Lula não conversava comigo sobre isso, sobre os valores. Mas quero deixar uma coisa muito clara. Eu quando falava com (Pedro) Novis (presidente da Odebrecht antes de Marcelo Odebrecht assumir) e com Marcelo eu não dava a opção de dar ou não dar. Eu dizia: negociem, mas é para dar”.
Já no fim de 2010, quando Lula estava se despedindo da Presidência, Emílio relatou que o executivo da Odebrecht Alexandrino Alencar, que o ajudava a fazer a interface com Lula, contou que a ex-primeira-dama Marisa Letícia pediu um favor: que o empreiteiro ajudasse a concluir as obras do sítio de Atibaia para fazer uma surpresa ao presidente assim que seu período no comando do governo terminasse.
O empreiteiro explicou aos procuradores a sofisticada logística montada para executar a missão, tirando gente de várias obras da Odebrecht, mas sem que a empresa parecesse envolvida institucionalmente na empreitada. Ao todo, disse, a reforma custou mais de R$ 700 mil. Mas nem Lula nem Dona Marisa procuraram saber esse valor.
“Ele (Alexandrino) me falou isso em outubro e se eu não me engano no penúltimo dia do ano, dia 30, eu estive com ele (Lula) no Palácio do Planalto e eu disse: ‘olha, chefe, o senhor vai ter uma surpresa e nós vamos garantir o cumprimento do prazo naquele programa do sítio’. Ele não fez nenhum comentário, mas também não botou nenhuma surpesa, coisa que eu entendi não ser mais surpresa. Quando foi que ele soube eu não sei. Por quem que ele soube, não sei. Por mim não foi”, explicou.
Emílio Odebrecht também disse que a empresa dele financiava palestras do ex-presidente Lula em países africanos para que a imagem da Odebrecht ficasse atrelada ao carisma do petista, como forma de impulsionar os negócios. Segundo Emílio, a empreiteira custeava o transporte, em aviões fretados, hospedagem e demais gastos do ex-presidente durante esses eventos. Os honorários era o próprio presidente quem definia: variavam entre US$ 150 mil e US$ 200 mil por palestra. Em troca, a empreiteira pegava carona na imagem de Lula e estampava seu logotipo nos eventos dos quais ele participava. O empreiteiro contou que apresentou Lula à elite e às autoridades africanas — e, a partir disso, passou a financiar as palestras que o petista fazia.
“Quem introduziu o Lula fomos nós, em todos os países (da África) que nós levamos ele.”
Emílio também disse que comprou um terreno em São Paulo, por meio de uma empresa de um laranja, para Lula instalar uma nova sede de seu instituto. No fim, o petista quis manter a sede onde ela já estava instalada, e o dono da Odebrecht vendeu o terreno.
Emílio Odebrecht também disse que Taiguara Rodrigues dos Santos, sobrinho de Lula, recebeu “cerca de US$ 200 mil” da empreiteira em Angola sem ter prestado nenhum serviço em troca. Segundo o delator, a empresa de Taiguara foi contratada a pedido de Lula para prestar serviço para a Odebrecht no país africano.
Depois de uns meses de trabalho, com a crise do petróleo em Angola, as oportunidades diminuíram para Taiguara e ele escreveu uma carta ao ex-presidente para reclamar da situação. Emílio soube da carta e logo providenciou um adiantamento para o sobrinho, por “serviços futuros”.
Ainda segundo o delator, a contratação da empresa de Taiguara foi um pedido expresso de Lula a Alexandrino – que, por sua vez, pediu autorização ao dono da empresa para fazer o contrato e recebeu o aval dele. Emílio não soube dizer quanto o sobrinho do ex-presidente faturou durante o tempo que prestou serviço efetivamente.
“Numa viagem dessa para o exterior, Lula falou com o Alexandrino: ‘olha, eu tenho um sobrinho, que tem uma sociedade em Portugal, com um sócio português, e, se vocês puderem dar uma oportunidade de trabalho…’”, relatou Emílio Odebrecht.
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Maravilha, maravilha de reportagem.
Sinto necessidade de fazer aqui um comentário sobre a referência a Mario Covas que há no texto das repórteres do Globo: “Emílio conheceu Lula no fim da década de 1970, apresentado por Mário Covas, já falecido”.
A Folha de S. Paulo, em sua versão online, deu o seguinte título, em matéria na quinta, 13/4: “Covas aconselhou Odebrecht a se aproximar de Lula, segundo executivo”.
O que o título queria dizer era algo assim: “A culpa toda é do Covas (Covas, do PSDB, tá, leitores? PSDB! A culpa é do PSDB!)”
Não vou gastar tempo com as idiotices da Bolha de S. Paulo.
Só quero lembrar que, na matéria, a Falha de S. Paulo online diz o seguinte:
“Segundo Alencar, Covas falou com Odebrecht sobre Lula: ‘Tem uma liderança no Brasil que é bom vocês entrarem em contato’.
Alencar é Alexandrino Alencar, o ex-diretor de relações institucionais da empreiteira. O executivo que Marisa Letícia procurou para tocar as obras no sítio de Atibaia.
Ou seja: o “crime” de Mario Covas foi ter, na década de 1970, dito para Emílio Odebrecht que havia uma liderança no Brasil que eles deveriam conhecer, um sindicalista chamado Luiz Inácio Lula da Silva.
Na época, esse tal líder sindicalista até dizia defender umas idéias avançadas. Dizia que a CLT, entulho fascista da ditadura do Estado Novo, precisava ser revista, e coisas de pelego, como a unicidade sindical e o imposto sindical obrigatório, deveriam acabar, para fortalecer o verdadeiro sindicalismo.
Mario Covas era um homem generoso, um believer, e um político realmente, de fato, progressista, que defendia que a sociedade fosse em frente, avançasse.
Derrotado nas primeiras eleições diretas para presidente após a ditadura, em 1989 (candidato pelo recém-fundado PSDB, ficou em quarto lugar, atrás de Leonel Brizola-PDT, terceiro), não se negou a, entre Collor de Mello e Lula, apoiar o sujeito que parecia ter sido um sindicalista de posições avançadas.
Não apenas não se negou a apoiar o sujeito. Jogou-se com tudo na campanha dele no segundo turno.
Jamais vou me esquecer de ter ido pela primeira vez a um comício do PT – o de encerramento da campanha do segundo turno, na Praça Charles Miller, diante do Estádio do Pacaembu, em que Mario Covas discursaria.
Foi a única vez na minha vida em que votei no PT.
Cruz credo mangalô treis veiz.

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