É dificílimo derrotar um jogo tão infame quanto o bilionário apoio de Bolsonaro. Mas…
Como boa parte dos parlamentares desdenha dos eleitores em nome do lucro fácil, o presidente Jair Bolsonaro deve sair vitorioso nas eleições para as presidências da Câmara e do Senado. Animado, ele já dá o resultado a seu favor como certo, ainda que falte contar as favas, algo difícil em eleições secretas, por mais fartas que sejam as ofertas.
A derrota de Lira é improvável, mas não impossível. Não seria a primeira vez que os deputados, mesmo depois de encherem os bolsos, driblariam o governo de plantão, invertendo um resultado tido como garantido. Quem imaginaria que o obscuro Severino Cavalcanti (PP-PE) derrotaria o candidato de Lula, o famoso Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP)? Ou que Eduardo Cunha (MDB-RJ) passaria de aliado a algoz do PT mesmo tendo sido apoiado pelo governo petista para presidir a Câmara?
Mas é dificílimo conseguir derrotar um jogo tão infame.
Batizado como “toma lá, dá cá”, de inspiração franciscana, a expressão ameniza seus efeitos deletérios. Troca-troca seria melhor, mas ainda errôneo para negociação tão espúria. Sem o artifício das metáforas, é canalhice, abuso de poder, uso indevido de dinheiro público. É crime.
O Centrão, que já sustentou Lula e Dilma, sabe o custo de redimir Bolsonaro. De dar a ele a primeira vitória política em meio à descrença total no governo e diante da multiplicação de pedidos de impeachment que abarrotam a gaveta da Presidência da Câmara. Não à toa, inflam-se os preços. Paga-se o que não temos nem teremos no futuro próximo, prometem-se fundos e mundos inexequíveis, comprometendo ainda mais as contas já capengas do país.
Quisera os brasileiros que os recursos e benesses prometidos para eleger o deputado Arthur Lira (PP-AL) e o senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG) pudessem ser convertidos em políticas públicas capazes de combater as crises sanitária, econômica e social. O que se vê é o governo despejar milhões nos currais eleitorais dos parlamentares e abrir o celeiro para que eles possam se fartar de cargos federais, boa parte deles sem qualquer serventia para a população.
Mais: como o próprio candidato Bolsonaro bradava durante a campanha de 2018, o “toma lá, dá cá” vai sempre além de cargos e poder. Escancara as porteiras para a corrupção.
Que se dane! Desdizer o dito é prática cotidiana do presidente. Na semana passada, depois de ver sua popularidade voltar a cair, Bolsonaro virou um defensor da vacinação que ele desprezava. Até a CoronaVac, a “vachina” do Doria, a qual garantia que não compraria, virou a “vacina do Brasil”.
Na sexta-feira, acenou com a recriação dos ministérios de Esporte, Cultura e Pesca para o pós-eleição das mesas da Câmara e do Senado, distanciando-se ainda mais da prometida redução do tamanho do governo. Na campanha falava em 15 ministérios, que viraram 20, 22, depois 23 e agora podem chegar a 26, muito perto dos 29 que execrava quando candidato. Como pegou mal vincular a ressurreição das pastas à vitória de seus candidatos no Congresso, ele voltou atrás. Pelo menos por enquanto.
O agito no balcão de compras chegou a causar espanto até no senador Renan Calheiros (MDB-AL), frequentador assíduo desse mercado. Denunciou que seu partido se comportou como “pedinte”, “mendigando” cargos para puxar o tapete de Simone Tebet (MDB-MS).
Sem qualquer apreço pelas instituições, Bolsonaro fará o diabo e mais um pouco para vê-las de joelhos, preferencialmente louvando o “mito”. E como até agora a resistência aos absurdos que ele comete não passa de notas de repúdio, sente-se cada vez mais à vontade para interferir nos demais poderes. Já trata Lira como “nosso presidente”, mesmo antes de os votos serem depositados na urna da Câmara.
A eleição desta segunda-feira é um divisor de águas. Na base do vale tudo, Bolsonaro deve vencer, consagrando a política da compra de votos que o eleitor acreditou, ingenuamente, que tinha enterrado nas urnas.
Ainda que fora do quadro das probabilidades, zebras existem: o melhor mesmo seria uma reviravolta, daquelas surpreendentes.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 31/1/2021
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.