A promessa de combate à corrupção, Bolsonaro jogou no lixo. Ele só prospera no mofo.
Bolsonaro desembarca em São Raimundo Nonato (PI) Alan Santos/Presidência/Divulgação
Seis meses depois de assumir a Presidência, Jair Bolsonaro desdisse o que pregara durante a campanha: disputaria o cargo novamente. Não é surpresa, portanto, vê-lo nos palanques, chapéu de couro em lombo de cavalo, inaugurando obras já inauguradas por antecessores. Mais complexa é a equação de sobrevivência que o levou a jogar no lixo, deliberadamente, um dos seus maiores trunfos eleitorais – a promessa de combate inflexível à corrupção.
No sertão do Piauí, onde desfilou com Ciro Nogueira (PP), ex-aliado de Lula e réu no STF por organização criminosa, o presidente distribuía sorrisos e abraços sob o coro de “fim da Lava-Jato”, um bordão até então inimaginável.
Bolsonaro é um político medíocre, mas nada tem de tolo. Está no jogo há três décadas e enfiou nele a prole, com espaços públicos generosos a parentes e amigos, muitos deles recebendo todo mês sem dar as caras na repartição. Outros, ao que tudo indica, repassando seus ganhos aos chefes. A tripla crise do país, sanitária, econômica e social, não o apoquenta. Move-se única e exclusivamente para proteger o seu mandato – e, se isso der certo, dar fôlego à sua reeleição – e os filhos, companheiros de milicianos e enrolados em processos na Justiça do Rio e no STF.
Não à toa, Bolsonaro correu atrás do Centrão, oferecendo mundos, cargos e fundos em troca de apoio parlamentar. Nada em nome de aprovar projetos de seu governo – ativo que ele nunca teve para oferecer -, mas para evitar a abertura de qualquer um dos 48 processos de impeachment protocolados na Câmara até agora.
Mesmo agradecida com as benesses, no primeiro embate – a análise do Fundeb – a base comprada por Bolsonaro deu de ombros. Votou contra o projeto do governo e mostrou os dentes ao presidente.
Além da derrota em plenário, o governo sofreu mais um baque com a saída formal do DEM e do MDB do bloco que ele, por ingenuidade, incompetência ou ambos, contava como dominado.
Mas as velhas práticas que há décadas emboloram a política falaram mais alto.
No início da semana, o procurador-geral Augusto Aras lançou a moeda que pode inverter o jogo: a desmoralização, fatiamento ou, melhor ainda, o fim da Lava-Jato. Um alívio imediato para pelo menos 60 parlamentares da “base” cooptada e de outros tantos da oposição envolvidos em processos de corrupção.
A quadra é demoníaca.
Aras, homem de Bolsonaro, com olhos fixos na indicação para a vaga do ministro Celso de Mello, que em novembro deixa a Suprema Corte, iniciou uma guerra contra a Lava-Jato. Como se a operação fosse mais criminosa do que os políticos e empresários que afanaram bilhões dos brasileiros.
De cara, colocou em xeque a atuação do agora desafeto Sérgio Moro, tido como eventual opositor de Bolsonaro em 2022. Mas a tentativa de denegrir a imagem de Moro é quase um mimo ao presidente perto do tamanho do serviço prestado.
Em parceria velada com o presidente do STF, Dias Toffoli, que parece guardar rancores dos danos que a Lava-Jato provocou aos seus ex-empregadores, de repente a operação virou vilã.
Uma trama que faz a felicidade de gente como Valdemar da Costa Neto, Roberto Jefferson, Arthur Lira e outros fungos da política. Que se une à turma do Lula Livre, Gleisi Hoffmann à frente, e reata os laços da impunidade. Que, mesmo dizendo o contrário no digladio juvenil das redes sociais, torce para que Aras vença e até mesmo chegue ao STF.
Em comum, querem que a Lava-Jato exploda e com ela os terabytes que rastrearam e puniram a corrupção.
Os excessos da Lava-Jato – e há quem os aponte sem pestanejar – devem e têm de ser apurados. Assim como os excessos de outras esferas do Ministério Público, a exemplo da assinatura de delação premiada dos irmãos Batista feita pelo então procurador-geral Rodrigo Janot para incriminar o presidente Michel Temer. E os excessos do próprio STF, como a manutenção da elegibilidade de uma presidente deposta, ou a suspensão, monocrática, por meses, da troca de dados entre órgãos de investigação, privilegiando o filho do presidente Bolsonaro.
Entre erros e acertos, a Lava-Jato desnudou o PT, prendeu Lula e seus comparsas, encarcerou o poderosíssimo Eduardo Cunha, acabou com a farra de Sérgio Cabral e de quase 300 de 600 réus. Oxigenou o país, colocando poderosos na cadeia, inoculando esperança de dias melhores ao cidadão comum.
Bolsonaro bebeu e se fartou dessa depuração. Jogou fora porque só prospera no mofo.
Este artigo foi originalmente publicado no Blog do Noblat, na Veja, em 02/08/2020.
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Jornalista, mineira de Belo Horizonte, ex-Rádio Itatiaia, Rádio Inconfidência, sucursais de O Globo e O Estado de S. Paulo em Brasília, Agência Estado em São Paulo. Foi assessora de Imprensa do governador Mario Covas durante toda a sua gestão, de 1995 a 2001. Assina há mais de 10 anos coluna política semanal no Blog do Noblat.
Usamos cookies em nosso site para oferecer a você a experiência mais relevante, lembrando suas preferências e visitas repetidas. Ao clicar em “Aceitar tudo”, você concorda com o uso de TODOS os cookies. No entanto, você pode visitar "Configurações de cookies" para fornecer um consentimento controlado.
This website uses cookies to improve your experience while you navigate through the website. Out of these, the cookies that are categorized as necessary are stored on your browser as they are essential for the working of basic functionalities of the website. We also use third-party cookies that help us analyze and understand how you use this website. These cookies will be stored in your browser only with your consent. You also have the option to opt-out of these cookies. But opting out of some of these cookies may affect your browsing experience.
Necessary cookies are absolutely essential for the website to function properly. These cookies ensure basic functionalities and security features of the website, anonymously.
Cookie
Duração
Descrição
cookielawinfo-checkbox-analytics
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Analytics".
cookielawinfo-checkbox-functional
11 months
The cookie is set by GDPR cookie consent to record the user consent for the cookies in the category "Functional".
cookielawinfo-checkbox-necessary
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookies is used to store the user consent for the cookies in the category "Necessary".
cookielawinfo-checkbox-others
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Other.
cookielawinfo-checkbox-performance
11 months
This cookie is set by GDPR Cookie Consent plugin. The cookie is used to store the user consent for the cookies in the category "Performance".
viewed_cookie_policy
11 months
The cookie is set by the GDPR Cookie Consent plugin and is used to store whether or not user has consented to the use of cookies. It does not store any personal data.
Functional cookies help to perform certain functionalities like sharing the content of the website on social media platforms, collect feedbacks, and other third-party features.
Performance cookies are used to understand and analyze the key performance indexes of the website which helps in delivering a better user experience for the visitors.
Analytical cookies are used to understand how visitors interact with the website. These cookies help provide information on metrics the number of visitors, bounce rate, traffic source, etc.
Advertisement cookies are used to provide visitors with relevant ads and marketing campaigns. These cookies track visitors across websites and collect information to provide customized ads.