26 de abril de 2024
Colunistas JR Guzzo

Ofensiva contra canais de direita é a pior agressão à liberdade de pensamento desde o fim do AI-5

A lei determina que todo delito tem de ser “tipificado”, ou seja, é preciso que ele seja descrito com exatidão para permitir uma acusação; e o crime de ‘ato antidemocrático’, o que é?

Vai ficando cada vez mais difícil, no Brasil de hoje, que alguma autoridade dos galhos mais altos do Poder Judiciário passe 24 horas sem assinar algum despacho que desrespeita abertamente as leis brasileiras. Seu argumento é que estão, todos eles, defendendo a sociedade da ameaça de “atos antidemocráticos”. Em razão deste propósito superior, que em sua opinião só pode ser atingido com medidas radicais, deram a si próprios o direito de desrespeitar o que está escrito na Constituição e no resto das leis em vigor neste país.

Estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal Foto: Dida Sampaio/ Estadão

O resultado de sua ação são agressões cada vez mais grosseiras às liberdades individuais e públicas dos cidadãos. Dias atrás, um ministro do Supremo Tribunal Federal prendeu em flagrante o presidente do PTB, Roberto Jefferson, autor de ataques irados e constantes aos ministros do STF – sem que no momento da prisão, ou nas 24 horas anteriores, ele estivesse praticando qualquer dos crimes de que é acusado, e mesmo dos que não é. Que flagrante é esse? Agora, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral, repartição pública subordinada ao STF, proibiu as grandes plataformas digitais de pagar a remuneração devida a veículos de direita que atuam nas redes sociais. O dinheiro tem de ser entregue a uma conta do TSE, pelo que foi possível entender.

A justificativa, nos dois casos, é que o ex-deputado e os comunicadores estão praticando “atos contra a democracia”. Quais? A lei determina que todo delito tem de ser “tipificado”, ou seja, é preciso que ele seja descrito com exatidão para permitir uma acusação. O crime de “homicídio”, por exemplo, consiste em “matar alguém”, como está escrito no Código Penal; até uma criança de dez anos entende na hora o que é isso. E o crime de “ato antidemocrático”, o que é? Não existe nas leis brasileiras nenhuma descrição do que venha a ser isso.

Na falta de um tipo penal claro, estão prendendo as pessoas e agindo para fechar veículos – através da proibição de cobrarem por seus serviços – por causa de suas opiniões. O ex-deputado fala mal do STF, prega a demissão dos seus ministros e organiza manifestações públicas contra eles, com caminhões e cantores sertanejos. Os canais de direita transmitem conteúdo de direita, e em boa parte do tempo reproduzem em suas emissões, com comentários, o que é publicado no resto da mídia. O que há de errado com isso, do ponto de vista legal? Juristas de todo o País, sejam quais forem as suas preferências políticas, estão dizendo, nos dois casos, que tudo o que os punidos fizeram é exercer a liberdade de expressão conforme descrita no artigo 5 da Constituição.

No caso dos blogs e outros meios de expressão de direita, o ataque do TSE foi especialmente degenerado: o corregedor puniu os comunicadores porque, na sua opinião, estariam publicando “notícias falsas” sobre o atual sistema de urnas eletrônicas, a ser utilizado nas eleições de 2022. E desde quando publicar notícias falsas, ou de qualquer outra natureza, é proibido por lei, sujeito à censura e passível de confisco financeiro? Que crime é esse? Crime de “fake news”, assim em inglês, como diz o corregedor do TSE? Não há expressões em idioma estrangeiro nas leis penais do Brasil. Não existe o crime de “informação falsa”, como existem o homicídio, o roubo ou o estelionato – e nem o de “informação errada”. É uma aberração completa.

É incompreensível, também, que o TSE, aglomeração burocrática que existe para cuidar de questões eleitorais, e só disso, tenha se dado o poder de punir materialmente cidadãos brasileiros, de forma objetiva e direta, sem que as vítimas tenham passado por qualquer tipo de processo judicial – sem acusação do Ministério Público, sem direito de defesa, sem julgamento por parte de um juiz de Direito, sem condenação, sem nada, enfim, a não ser a vontade da polícia e do tal corregedor. Desde quando corregedor eleitoral passou a dar sentença neste país? Muito bem: os blogs, então, não podem mais ser pagos. E qual foi o juiz que assinou um papel dizendo isso? Nenhum. Quem está mandando é esse corregedor.

A ofensiva contra os canais de direita é um ato puramente político. É a pior agressão à liberdade de pensamento que se comete neste País desde o fim do AI-5. O silêncio da mídia, da vida política e das elites quanto a ela, ou o seu aplauso aberto à arbitrariedade, deixa encantados os ministros do STF e seus associados. Infelizmente, não faz com que o desastre deixe de existir.

Fonte: Estadão

J.R Guzzo

José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.

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José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.

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