29 de março de 2024
Colunistas Joseph Agamol

A primeira vez que vi o fantasma de Elvis. Ou ao menos eu pensei que era

Foi no primeiro dia das férias de verão de 1977. E eu tinha muitas coisas em minha cabeça de menino de 12 anos programadas para as próximas semanas: me enfurnar na garagem com os gibis do meu irmão mais velho, aparar alguns gramados para poder assistir “Star Wars” no cinema e, quem sabe, tentar alguma chance mínima com a loirinha do Terceiro Ano – mesmo sabendo que seria mais fácil eu pilotar a Apollo XI num vôo de ida e volta a Marte.

Eu estava com a mochila jogada displicentemente nas costas, cruzada na diagonal, como os caras mais velhos faziam, e resolvi cortar caminho pelo pátio abandonado da estação de trem. Foi quando o vi. Quer dizer. Vi, mas não reconheci de imediato. Era Elvis, mas não era. Não era o cara gordo com aparência cansada que eu tinha visto na televisão. Parecia mais com o que minha mãe tinha assistido – e suspirado, com certeza – em 1968, todo vestido de couro preto, em plena forma. Eu me aproximei. Minha mãe dizia para eu não chegar perto de estranhos, mas era Elvis, droga!

Ele vestia calça jeans e botas de trabalho Doc Martens, e uma camisa de algodão branca, com uma gravata de corda que os bluesmen usam. Pensei em perguntar como ele se achava no direito de usar uma gravata daquelas sendo branco – a propósito, sou negro – mas achei melhor deixar pra lá. Era ELVIS, droga!

Estava sentado em um toco de árvore. Tinha um puta estojo de violão Gibson ao lado dele, todo em madeira e coberto por bottons e adesivos de viagem. Era o tipo de estojo feito para guardar um instrumento que guris como eu só poderiam ver nas vitrines das grandes lojas, mas – não sei porque – achei que não tinha violão algum ali dentro. Na verdade, SENTI que eu não gostaria nada de saber o que tinha ali dentro.

Elvis virou e sorriu para mim, com aquele sorriso meio torto que faria com que minhas pernas se transformassem em dois pedaços inúteis de marshmallow, se eu não fosse hétero convicto. Pensando bem, mesmo assim, elas deram uma tremidinha. Pensei na loirinha do Terceiro Ano – só para garantir.

  • oi – eu disse, inteligentemente.
  • oi, guri. ‘Cê parece que viu um fantasma, cara. ‘Tá quase branco.

O sotaque era tão carregado que mesmo eu tive dificuldade de acompanhar. Sorri amarelo. Tentei fazer uma piada.

  • eu…
  • esquece minha gravata, garotão. Seu pai jogava milhões de irmãozinhos seus no mato e você ainda estava no saco dele quando eu já tinha o direito de usar essa pôrra.

E piscou pra mim.

Meu queixo caiu, mais ou menos como caía o queixo do Tom quando o Jerry, aquele rato mau caráter, o sacaneava exemplarmente. Grasnei:

  • eu… pô… como é que…

Então lembrei que ele era a droga de um fantasma! Podia sumir e chutar meu traseiro magro sem eu perceber. Se é que fantasmas podem chutar traseiros. Sei lá.

Ele riu, de novo aquele riso torto e sacana. Pensei na loirinha de novo – só por precaução, sacumé.

  • preste atenção, cara. Preste MUITA atenção. Eu não sou desse mundo, você está certo sobre esse ponto, filho, mas não da forma que você imagina. O fato é que COISAS VÃO ACONTECER daqui a alguns anos. Eu não tenho autorização dos caras lá de cima para falar mas vou dar com a língua nos dentes um pouco: 2021. Guarde essa data. Tem coisas que você vai precisar fazer. PRECISAR.

Ele levantou, sacudiu a poeira do traseiro, sorriu pra mim – a loirinha, a loirinha – e disse:

  • a gente vai se ver de novo, garotão.

E mais:

  • Esteja pronto.

E saiu com seu andar bamboleante.

E sumiu.

(Continua)

(Texto: Joseph Agamol, em homenagem aos 44 anos do desaparecimento de Elvis, completos dia 16)

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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