9 de outubro de 2024
Fernando Gabeira

Livrai-nos de tanta loucura


Nos últimos dias, tenho a impressão de que estão enlouquecendo nas altas esferas do poder e talvez não possamos fazer muito a respeito.
No Brasil, o Congresso decidiu aprovar um pacote de benesses que vai nos custar mais R$ 100 bilhões.
Considerando nossa crise, isso representa grandes problemas no ano que vem: falta de recursos, atraso em pagamentos, quebradeira.
O interessante é que os candidatos à presidência não protestaram. Protestar contra a farra de gastos tira votos. E eles dividem o tempo com muita precisão: uma coisa é o período eleitoral, outra o mandato.
Não percebem que, ao se calarem agora, perdem a possibilidade de resistir lá na frente. Isso pode significar não só crise política séria, mas até mesmo impeachment.
De qualquer forma, o futuro imediato do Brasil está comprometido por essas aventuras irresponsáveis. Há pouco o que fazer, exceto votar bem mas ainda assim por mais que se acerte aqui e ali, o conjunto do Congresso será assustador.
A pesada máquina do atraso continuará esmagando as chances de crescimento sustentável, renovação política e recuperação da confiança nacional.
Lá fora, a loucura ainda é maior. O Presidente dos Estados Unidos critica duramente os aliados europeus e vai se prostrar aos pés de um líder autoritário russo.
Essa manobra de Trump, assim como a dos deputados brasileiros, é uma ação disruptiva. Não usaria o termo subversiva pois ele implica em alteração da ordem.
O que está acontecendo é apenas algo destinado a bagunçar, criar as bases instáveis para a chegada do caos.
Os parlamentares brasileiros querem apenas alguns votos para garantir sua permanência no poder. Eles já articularam uma reforma que lhes garante o dinheiro público para disputar as eleições. Insatisfeitos, cavam o próximo abismo sabendo que dinheiro não lhes faltará. Em último caso, há sempre o aumento de impostos.
O problema é que a sociedade brasileira parece aceitar isso. A suposição de que o estado pode gastar ilimitadamente ainda é um fato na cabeça de muitos, mesmo os que não são diretamente interessados em conquistas corporativas.
O que torna a questão mais angustiante ainda: a loucura dos dirigentes não é apenas um descaminho lógico em suas cabeças mas algo que tem base na própria tolerância social.
Da mesma forma, o que acontece na conjuntura mundial não revela apenas um desvario individual. Dizem que os russos têm documentos que comprometem Trump daí sua subserviência em Helsinque.
Creio que a interpretação mais correta passa pelo fascínio que Trump mostra por governos autoritários. Ao mesmo tempo, ele representa a democracia mais poderosa do mundo.
Muitas coisas estão mudando. Rejeitar os laços culturais e políticos com uma Europa que sempre foi nossa referência, parece-me tão iconoclástico para o Ocidente, como os talibãs destruindo estátuas budistas.
De todas as formas é assim que o mundo caminha. Salvaguardas existem tanto no Brasil como nos Estados Unidos. É sempre possível atenuar o estrago.
Mas é preciso muita água para apagar um incêndio que vem de cima. Quando deputados decidem quebrar o país e Trump colocar-se ao lado da Rússia contra aliados e o próprio serviço inteligência americano, entramos num espaço mais difícil do que o combate à corrupção e à incompetência.
Não basta apenas supor que estejam enlouquecendo. É preciso entender como as sociedades não só convivem como, de certa forma, sustentam essa loucura.
Não se trata de realizar um esforço idealista para afirmar que exista uma razão inequívoca e ela triunfará sobre os desvarios do poder.
Tudo que nos resta é trocar de ilusão na tentativa de nos aproximarmos um pouco mais da realidade. A ideia de que é possível gastar sem limites, no entanto, parece-me um componente de tragédia.
Hegel dizia que na tragédia há um conflito entre o certo e o certo. Muitas vezes, no entanto, ela é apenas o resultado da imprudência humana.
Artigo publicado no O Globo em 21/07/2018
Fonte: Blog do Gabeira

Fernando Gabeira

Jornalista e escritor. Escreve atualmente para O Globo e para o Estadão.

Jornalista e escritor. Escreve atualmente para O Globo e para o Estadão.

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