Escrevi um artigo sobre a Dra. Luana Araújo e sua passagem pela CPI. A decisão do Exército de não punir Pazuello atropelou meu esforço. Escrevi para o Globo de segunda um novo artigo, comentando essa crise político militar.
No final do texto, reproduzo o artigo sobre a passagem de Luana pela CPI. A quem interessar possa.
As desculpas que os jornalistas transmitem de suas fontes militares são bastante discutíveis.
De um modo geral, dizem que o Exército não puniu Pazuello para evitar uma crise maior.
Como assim? O Exército não pode se desmoralizar, isto é uma crise enorme.
Fico imaginando esse argumento no universo da defesa. A Bolívia decide integrar o Acre ou a França decide recuperar uma parte do Amapá, o Exército se reúne, discute, e conclui que vai ceder para evitar uma crise maior: tiroteios, correria, guerra.
Pode-se argumentar que a não punição de Pazuello não tem essa importância. Mas o fator simbólico é muito importante: um Exército humilhado por Bolsonaro perde o respeito de grande parte do país.
Outro argumento que os jornalistas trazem à tona é o de que os generais ficaram envergonhados com a decisão, mas tiveram de acatá-la.
Outra conversa mole. A vergonha ou a culpa não tem importância histórica. Eles teriam de propor uma resistência: se Bolsonaro demitisse o Comandante, ninguém aceitaria substituí-lo sem punir Pazuello.
Por isso digo que o Exército amarelou. Ele não quis enfrentar a briga e isso é muito grave. Parece que estamos diante de um corpo de gente acomodada, que custa caríssimo ao país, mas que no momento exato, pipoca.
A sensação que temos é de que o Exército encampou Bolsonaro e tem medo de ser derrotado pelo PT. Ficaremos reféns dessa situação. Se Bolsonaro vencer, as coisas seguem: se Bolsonaro perder dão o golpe, baseados nessas teses sobre urna eletrônica.
A suposição de que o PT levará o Brasil fatalmente para o socialismo é discutível. Não se leva o país para um lugar sem o apoio de grande parte do povo.
O PT pode querer seguir o rumo da Venezuela ou mesmo de Cuba, mas teria apoio maciço para isso. Por outro lado, poderia seguir o caminho de uma coligação de esquerda como em Portugal, bastante bem sucedida em conduzir o país democraticamente e dentro do regime capitalista.
Uma outra hipótese importante é de Bolsonaro não ir para o segundo turno e o PT ter de disputar o poder com um candidato de centro.
Não valia a pena o Exército se deixar desmoralizar dessa maneira. Falta de confiança no povo brasileiro, falta de confiança nas suas próprias possibilidades de resistir a um tirano.
Mas como hoje é sexta, dia de sol, feira e uma deliciosa água de junho no Rio, encerro por aqui.
Abaixo está o artigo sobre a passagem da Dra. Luana
Numa borda da terra plana
Fernando Gabeira
“É como se estivéssemos discutindo em que borda da terra planos vamos pular.”
Esta frase da Dra. Luana Araújo na CPI da Pandemia é inspiradora.
Os senadores lamentaram o fato da Dra. Luana ter sido rejeitada pelo governo, apesar de sua inteligência e capacidade profissional.
Associo-me a este lamento.
Sinto também uma alegria por ver uma jovem médica com tantos conhecimentos, declarando seu amor pelo Brasil.
Já estou acostumado com essa sensação. Ela é frequente diante da política ambiental destruidora de Bolsonaro e Ricardo Salles. Lamento o estrago na floresta, a morte dos animais, mas, ao mesmo tempo, lembro-me de que o Brasil é tão rico que talvez não consigam nos destruir no seu tempo de poder.
Como um velho cão farejador, já intuía e mencionei na tevê,que o depoimento da Dra. Luana Araújo seria importante. Não me perguntem por que? Talvez por uma ou outra frase que ela escreveu, elogios entre os seus pares.
Nem sabia que morava em Minas. Ficaria mais fácil prever pois já até escrevi um livro sobre as mulheres extraordinárias que esse estado produz: Sinais de Vida no Planeta Minas.
Como estamos ainda no território da intuição, minha expectativa aumentou quando vi os cabelos da Dra. Luana ao chegar na CPI.
Nas fotos de sua curta presença no Ministério, o cabelo era liso, rente à cabeça, bem comportado. Na CPI eram revoltos, livres , parecia ter rejuvenescido alguns anos ao encerrar a passagem de apenas 10 dias pelo governo.
O resto foi o que se viu. Se escrevesse esse artigo do ângulo dos bolsonaristas o título seria esse: adivinhe quem vem nos jantar?
A Dra. Luana Araújo foi uma criança superdotada. O pai médico formou-se em advocacia para garantir que ela pudesse realizar seu potencial numa legislação educacional ainda despreparada para esses casos.
Ela explicou como se contrai o vírus. A gente faz isso diariamente, mas na boca de um especialista, naquele contexto, foi uma imensa ajuda.
Ela mostrou que conhece as pesquisas, sabe distinguir os métodos com que são produzidas.
Seus argumentos eram tranquilos, aliás como deveriam ser não só no Congresso como fora dele. Quando se tem conhecimento, não é preciso gritar nem ofender.
Como se dizia em Minas, no tempo dos grandes políticos: as idéias brigam mas as pessoas não.
Os bolsonaristas poderiam aproveitar a oportunidade para se livrar dessa cloroquina dependência.
No domingo anterior, tocou-me entrevistar o Oto Alencar e o Luis Carlos Heinze .Disse claramente para o Henize, velho conhecido de outros debates:
Esse médico francês, o Didier Raoult, já admitiu seu engano. O Brasil virou tema de piada no Parlamento francês por ainda acreditar na cloroquina.
Não adianta avisar. Heinze é um ruralista alinhado com Bolsonaro.
Esse grupo conhece a natureza em seus elementos isolados. Se você disser que o desmatamento influencia o regime de chuvas, não te levam a sério.
Não tenho preconceito contra a cloroquina..
No início do ano passado, quando começaram as experiências no sul da França e li sobre elas, fiquei emocionado.
Tão emocionado que pensei em ligar para minhas filhas.
Muito rapidamente, essa grande esperança se dissipou. Se todos acompanhassem a evolução das pesquisas, seria muito mais fácil
Mas esse é um dos problemas nessa borda da terra plana: é preciso muito tempo para que as coisas cheguem.
Algumas chegam logo, como a ideia de que o Partido Democrata é formado por pedófilos, a China inoculou o vírus de propósito.
Num regime político com as características retrógradas sob a liderança de Bolsonaro estamos na borda sul da terra plana.
Agora que o Exército capitulou e decidiu não punir Pazuello, o debate central é como saltar dessa borda, isto é como resistir ao golpe que se anuncia.
Fonte: Blog do Gabeira