Caíram hoje algumas restrições no Rio e muita coisa foi aberta depois de 11 horas. Estou tão atrasado em algumas como cortar o cabelo, comprar baterias para o microfone, que fiquei em dúvida de como usar o tempo.
Meu comentário no jornal do almoço caiu porque a cobertura foi dedicada à morte do Príncipe Phillip.
A notícia do momento é a CPI da pandemia. Tive oportunidade de entrevistar o presidente do Senado há três semanas e coloquei a questão para ele: por que barrar uma CPI uma vez que todos os requisitos legais, número de assinaturas, foram cumpridos.
Ele argumentou com as tarefas mais imediatas de combate ao coronavírus e com a necessidade de uma união nesse momento. Respondi que ele estava muito bem intencionado.
Mas os 33 signatários da CPI também mostravam boas intenções. Por que as boas intenções deles iriam prevalecer sobre as dos outros, inclusive alguns senadores que votaram nele?
O que acabou aparecendo neste caso foi uma tentativa de, usando as circunstâncias, bloquear um direito da minoria. Isto era o que mais se temia num momento tão excepcional.
Um dos argumentos de Pacheco, o último deles, é a questão sanitária. A CPI pode em muitos momentos realizar um trabalho virtual e portanto fugir desse perigo de aglomeração que ele vê nela.
De qualquer forma, as leis brasileiras são claras e o Supremo é uma espécie de guardião. Cumpridas as exigências legais, não dá para evitar uma CPI, embora sempre seja possível sabotá-la ou esvaziá-la no caminho.
Não sei como será minha vida nessa meia quarentena. Há tanta coisa para fazer. Estou lendo dois livros de crítica literária, uma bem de manhã, outro à noite,
O primeiro matinal é porque estou com a cabeça fresca. É um pouco árido e sua autora é a austríaca Dorrit Chon, chama-se Mentes Transparentes, Modos Narrativos de apresentar a consciência na literatura.
O outro é mais leve: chama-se As Dúvidas do Mágico, de Michael Wood e trata da literatura de Nabokov.
Tudo isso são pontinhas de tempo, porque ao longo do dia dedico-me à atualização das notícias e à leitura de textos sobre política e economia.
Com mais coisas para fazer na rua, vou ter de ser mais hábil ainda no emprego do tempo.
O livro de Nabokov me interessou porque parte da análise de sua perda da Rússia e da própria linguagem. Ele, no exílio, acabou adotando o inglês.
Tanto a perda do país como a substituição do próprio idioma é muito doloroso.
Jamais experimentei isso agudamente porque no exílio tinha certeza e investia toda minha esperança na volta ao Brasil.
Nosso idioma é bastante modesto em termos de conhecimento mundial. Mas é o que tínhamos e nos agarramos a ele. Mesmo porque talvez seja dispersivo e pouco talentoso para adotar com êxito um novo idioma.
No caso de Nabokov, ele pode encontrar um outro idioma nas cinzas de sua perda e todo esse sofrimento acabou tornando-o uma pessoa melhor.
Como disse acima, terei de ser hábil no uso do tempo. Esses livros que digo que leio, na verdade passo um pouco mais de 40 minutos com cada um. Assim mesmo, de vez em quando consulto o noticiário com medo de sobressaltos.
Aliás, o governo decidiu taxar livros sob o argumento que apenas os ricos lêem. Não sei qual a base real disso, mas desconfio que o governo detesta leitores de livros. Muitos deles não têm dinheiro.
De um modo geral, alguns de nós que temos muitos, periodicamente passamos uma boa parte deles adiante.
Mesmo porque ninguém aguenta viver com muita quantidade de livros em casa, ocupando espaço e atraindo cupim.
Nas viagens, já utilizo o iPad que é leve e contém um bom número de livros. O meu problema é talvez geracional: não consigo me desfazer da atração física pelo objeto.
Fonte: Blog do Gabeira