9 de outubro de 2024
Colunistas Marco Angeli

Faroeste caboclo

O velho livro chamado Constituição, esquecido numa estante qualquer.

Bolsonaro, 6 de setembro de 2018: a facada no Brasil.

Quando Renato Russo escreveu Faroeste Caboclo em 1979, talvez não imaginasse o quanto sua canção estava próxima da realidade brasileira.
Mais, o quanto seria significativa quarenta anos depois.
Apresentada pela primeira vez em 1983, Faroeste Caboclo foi imediatamente censurada e teve que ser reeditada para aprovação na Censura Federal.
Hoje, intimados por governadores, essa história de censura já não causa estranheza a ninguém, não é mesmo?
Enfim, a canção que descreve uma terra sem lei e, principalmente, a luta entre o bem e o mal, entre o traído e o traidor, parece cair como uma luva na situação brasileira atual.
Perplexos, já em 2020, observamos o país se transformar na terra sem lei daquele faroeste caboclo de Renato Russo, onde vence quem sacar a arma primeiro.
Ou a caneta.
Quando Alexandre de Moraes, ministro do STF, atropela todas as leis e a própria Constituição para anular a nomeação de Ramagem como diretor-geral da PF feita pelo presidente da República, não existem mais conclusões possíveis além dessa: uma terra devastada onde, ao pôr do sol, cada um faz suas próprias leis.
De acordo, naturalmente, com o calibre de suas armas.
Na poeira levantada por uma praga, o Covid, governadores, prefeitos e asseclas aqui e ali fazem suas próprias leis, mandam e desmandam, e ameaçam qualquer cidadão que ouse desafiá-los com intimidação, cadeia ou processos.
A justiça… essa ficou pra trás, esquecida num livro empoeirado de 1988, a quem ninguém mais consulta.
Sim, nossa velha Constituição, lembram dela?
Para que ela ainda existe, afinal?
Veja o vídeo conosco:

Acima, muito acima do conteúdo daquele livro, está o poder, por exemplo, de onze homens colocados no STF para defender os interesses de uma casta.
Ou quadrilha, como queiram.
Ou, com poder de vida ou de morte, mais 81 senadores e 513 deputados, no Senado e na Câmara, respectivamente.
Abaixo deles, governadores, prefeitos, vereadores… interpretando cada um à sua maneira a situação e agindo conforme seus próprios objetivos.
Alguns raros – sejamos justos – em benefício do que realmente importa, o bem estar do povo, e a maioria em benefício de seus próprios interesses de enriquecimento, poder, etc.
Assim, vemos 4800 municípios no país que não têm um caso sequer de contaminação recebendo e torrando verba federal destinada a socorrer emergencialmente aos que precisam.
Vemos superfaturamento de insumos, desvio de verbas, contabilidade de número de casos de contaminação inflados e fraudados, licitações fajutas e até desvio de merendas escolares, como aconteceu agora em São Paulo.
Nesse cenário de duelos diários ao entardecer, traidores de tocaia não faltam, muito pelo contrário.
Estão por aí, espalhados, bem entocados, no senado, na câmara, nos governos de estado…todos esperando a chance ou oportunidade de meter uma bala nas costas de quem quer realmente salvar este país.
Cidadãos comuns, nesse cenário de filme B, tem que ficar trancados.
Quem sair se arrisca a tomar uma bala, perdida ou não.
Porque, ao fundo, se enxerga, através da poeira, nessa paisagem montada, uma caricatura da realidade que é apenas uma fachada e nada mais: a velha democracia.
Nela, o cidadão comum, aquele que conhecemos, ainda é preso e condenado por roubar um pedaço de pão para alimentar os filhos.
Sim, as tais leis ainda funcionam para o cidadão comum.
Mas apenas para eles.
Nesse faroeste caboclo, a luta desigual entre o bem e o mal, o justo e o traidor, tem um desfecho funesto e previsto.
Nesse filme, o mal triunfa.
Nos aproximamos desse duelo, finalmente.
A única força decisiva nesse embate, o povo, se arrasta para sobreviver, atordoado.
Resta saber se continuará inerte para ver, finalmente, o corpo do justo morto – a facada já foi tentada – aos seus pés, e a nação finalmente dominada pela quadrilha.
Fonte: www.marcoangeli.com.br

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