19 de abril de 2024
Adriano de Aquino Colunistas

Desculpe, mas deixei de confiar no sistema eleitoral brasileiro

Por Paulo Polzonoff Jr.

“O título desta coluna era para ser “Se deixei de confiar no sistema eleitoral, a culpa é do Barroso”.

Mas optei por começar com um pedido de desculpas que, confesso, não é lá muito sincero. Afinal, não vejo culpa alguma em desconfiar da tecnologia e das intenções dos homens que a controlam. Por fim, o pedido de desculpas serve para reconhecer o poder limitado de certa pressão psicológica pelo conformismo.

Voltando ao tema da coluna e recorrendo à memória, reconheço que nunca antes tinha desconfiado do sistema eleitoral brasileiro. Até porque nunca tinha prestado muita atenção a ele. Tenho uma lembrança muito vaga das primeiras urnas eletrônicas, da empolgação que era usar a ponta dos dedos, e não mais o papel, para votar. Lá na longínqua década de 1990, realmente tudo parecia mais eficiente, rápido, moderno e seguro.

Nem eu nem ninguém tínhamos motivo para qualquer tipo de desconfiança. O sistema eleitoral existia como existia e era administrado por pessoas cujo nome e preferências ideológicas desconhecíamos. Além disso, estávamos todos embriagados de confiança na festa da democracia. Confiávamos porque a possibilidade de uma fraude era mesmo risível. Coisa de comunista paranoico. Talvez eu esteja idealizando o passado aqui (só um pouquinho), mas tenho a impressão de que, há não mais de 30 anos, a honra ainda era importante para as pessoas. Até para alguns escroques.

Mas aí o tempo foi passando, a festa da democracia se transformou numa orgia e duas coisas importantes aconteceram. Primeiro, a tecnologia mudou. E, se uma simples torradeira deixou de ser uma simples torradeira, por que pressupor que a urna eletrônica tenha se conformado com sua condição de simples urna eletrônica? O homem comum, mas não totalmente ignorante, foi aos poucos se transformando num semianalfabeto digital. E assim a urna, enquanto máquina, foi naturalmente ganhando contornos frankensteinianos.

Até que eu me lembre da segunda coisa importante que aconteceu, deixe-me explorar um pouquinho mais isso. Claro que há um aspecto ludita nessa rejeição à “simplicidade e pureza” das urnas eletrônicas. Os iluminados gostam de ridicularizar os neoluditas, mas isso é pura arrogância. Faz parte da natureza do homem confiar mais no que seus olhos veem e seus dedos tocam do que naquilo que ele só é capaz de compreender por meio de uma imaginação muitas vezes inalcançável. E não há nada de mau nisso.

Ah, lembrei! A segunda coisa importante que aconteceu foi a ascensão de uma casta que costumava agir discretamente nos bastidores, mas que nas últimas décadas se encantou pelos holofotes. E que agora (ouso dizer apenas pelo efeito literário da coisa) corre o risco de morrer fritada pela luz artificial de sua inteligência suprema. Esses insetos morais são hoje uma praga pior do que a saúva ou o mosquito da dengue. Adivinha de quem estou falando!

Ops. Me empolguei nas referências entomológicas. Onde é que eu estava mesmo? Ah, sim. O sistema eleitoral, antes gerenciado por pessoas cujas orientação política podíamos até pressupor, mas felizmente desconhecíamos, passou a ser administrado por Barrosos, Fachins e Alexandres da vida: militantes não só do “inominável de nove dedos” como também da tecnologia, da ciência infalível, da eficácia inquestionável, da velocidade e do que é invisível sobre a materialidade que há milênios nos encanta e assusta.

Imagem: Google Imagens – Blog Nocaute

Não dá para negar que o presidente Jair Bolsonaro, juntamente com o deputado Felipe Barros, soube instrumentalizar esse caldo de desconfiança esquentado no fogo alto da arrogância do TSE, adicionando a ele o temperinho amargo da polarização política. Mas como reagiram a isso os insetos hipnotizados pela noção equivocadíssima de autoimportância? Foram mais uma vez arrogantes e autoritários. Mandaram calar a boca dos que expressavam desconfiança e os trataram como “inimigos da democracia”. O que, previsivelmente, só aumentou a desconfiança.

Tenho dito aqui e alhures (chique, hein?) que, por mais que o trio Barroso-Fachin-Alexandre bata o pezinho e grite para o mundo ouvir que “as urnas são invioláveis e à prova de fraude!!!”, o sistema como um todo já está contaminado por uma desconfiança que ultrapassou as fronteiras da polarização e hoje atinge até petistas que, caladinhos, assistem à farsa democrática ora em curso.

Porque, por mais onipotentes que se considerem The Supremes, eles não são nem jamais serão capazes de controlar o instinto do homem comum, que rejeita essas formas contemporâneas de escravidão. E que no fundo, e às vezes nem tão no fundo assim, sabe que há algo de muito podre neste reino da Dinamarca (onde, aliás, o voto é de papel) tupiniquim. Só espero que, diferentemente do que acontece no reino inventado da peça shakespeariana, por aqui as coisas não acabem numa carnificina. Nem simbólica e muito menos real.”

Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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