Almoçando em casa com meu marido, olho na mesa e descubro uma obturação de ouro – daquelas bem antigas – portanto, combinando conosco!
Discretamente, vasculho minha boca com a língua e não encontro um “buraco correspondente”. Mas, como estava de saída para o dentista, coloquei a obturação na bolsa, pensando: “Ela vai encontrar o local exato!”
Lá chegando, entrego a obturação e ela começa a “pesquisa”.
De boca aberta eu estava e de queixo caído fiquei quando ela vaticina: “Esta obturação não é sua! ”
Se você não tiver mais de sessenta, certamente não sabe que, tendo chegado nessa idade, você não decide mais sobre um mundo de coisas por conta própria – nem que só digam respeito a você – e isso inclui, entre outras, arrancar um dente!
Aí, você tem um dente que racha no sentido vertical e que começa a incomodar. Resolve ir ao dentista para arrancar, já que a solução “paliativa” – não está mais funcionando. É quando você faz descobertas infaustas, que nunca imaginou!
O dentista olha o dente e já de posse de suas “informações pessoais” – refiro-me especificamente à sua idade – declara que, antes de arrancá-lo, você terá que fazer exame de sangue, de urina, um eletrocardiograma e, ainda, levar a declaração de um médico que esteja de acordo com sua decisão.
Leia-se: o dente é seu, está rachado e incomodando; mas, um médico terá de declarar por escrito que ele, médico, concorda com sua decisão, de certa forma assegurando ao dentista que você não fará a sacanagem de morrer na cadeira dele.
Também, já imaginou o tamanho do perrengue? Ambulância, carro de bombeiros (o consultório fica no último andar e não tem elevador) para descer o corpo, carro funerário – sem falar no quanto a criatura ficará falada e famosa: “Ah! Aquela que o paciente morreu na cadeira”?
Pior ainda, se a família do morto resolver que a culpa é mesmo do dentista e resolver processá-lo – algo em moda ultimamente, pôr a culpa em alguém…
É preciso esclarecer que sou cliente recente no consultório e, para fazer um histórico, eu já tinha sido arguida a respeito de diabetes, se sofria do coração, se tinha alergia a algum medicamento, pressão alta, unha encravada… Exagero meu: ela não perguntou da unha!
Para finalizar, chego em casa com a obturação na bolsa e vou conversar com meu marido.
Eu, como quem não quer nada:
- A dentista disse que essa obturação não é minha.
E, ele, vasculhando a própria boca com a língua, declara candidamente: “Ah! É minha.
Bem que eu senti que estava faltando alguma coisa no meu dente do fundo”.
Tradutora do inglês, do francês (juramentada), do italiano e do espanhol. Pelas origens, deveria ser também do russo e do alemão. Sou conciliadora no fórum de Pinheiros há mais de 12 anos e ajudo as pessoas a “falarem a mesma língua”, traduzindo o que querem dizer: estranhamente, depois de se separarem ou brigarem, deixam de falar o mesmo idioma… Adoro essa atividade, que me transformou em uma pessoa muito melhor! Curto muito escrever: acho que isso é herança familiar… De resto, para mim, as pessoas sempre valem a pena – só não tenho a menor contemplação com a burrice!