19 de março de 2024
Editorial

As palavras e seus contextos

A semana foi pródiga em duas figuras linguísticas da Língua Portuguesa que causaram furor nas redes sociais e na mídia parcial. A conotação e a denotação.
A conotação é a palavra utilizada em sentido figurado, subjetivo ou metáfora; a denotação é o sentido próprio da palavra. Nas aulas, sempre usei um exemplo que explica muito facilmente a diferença das duas:
“Aquele homem é um cachorro”. (linguagem conotativa, sentido figurado); O cachorro da vizinha fugiu essa manhã. (linguagem denotativa, sentido próprio).
Não, não se preocupem que isto não é mais uma aula chata de português, pretendo apenas mostrar que o básico conhecimento da língua e a imparcialidade política podem inferir sentidos opostos ou errôneos à fala de qualquer pessoa, muito mais se esta pessoa estiver num cargo em que fica, por força de seu trabalho, exposto a muitos ouvidos, de gente não treinada adequadamente (que não a entendem em seu conteúdo) e a outros com intenção explícita de mal interpretar o que foi dito, divulgando apenas a sua forma de entendimento.
Sim, para bom entendedor, pingo é letra. Estou falando sobre o nosso super ministro Paulo Guedes. Em duas ocasiões, suas falas foram objetos de discordância e aborrecimento de contribuintes que ficaram insatisfeitos com duas palavras ditas em dois contextos diferentes: parasita e empregada doméstica.
A palavra PARASITA esteve fervilhando nos últimos dias por dois motivos. O primeiro, pela fala do nosso ministro e depois pela premiação do Oscar, onde o filme Parasita levou a estatueta. Interessa-me no momento tratar apenas da primeira citação.

Foto: Arquivo Google – FGV

A íntegra da fala do ministro na FGV encontra-se na mídia, mas quero ater-me apenas ao trecho mencionado, sem contudo retirá-lo de contexto:
“… O funcionalismo teve aumento de 50% acima da inflação. Tem estabilidade de emprego, tem tudo… O hospedeiro está morrendo, o cara virou um parasita. O dinheiro não chega no povo e ele quer aumento automático…”
Vamos lá: o funcionalismo público, categoria privilegiada, é a única que pode fazer greve impunemente, pois tem estabilidade, plano de carreira e aumentos acima da inflação. Muitos, talvez a maioria, lembram aquela figura histórica do paletó nas costas da sua cadeira (o barnabé, segundo marchinha de Haroldo Barbosa e Antonio de Almeida) para mostrar que está ali vitaliciamente. Não assinam ponto. Ponto eletrônico então nem pensar, eles não admitem.
É claro que para muitas das funções públicas, foram necessários concursos muito concorridos e difíceis, mas isso nunca pode significar descanso, tranquilidade, e sim dedicação, abnegação e até subserviência ao público que, indiretamente, o paga. Vocês já repararam que em TODAS as repartições onde há atendimento ao público (contribuinte) há um aviso destacado: “É crime desacatar funcionário público no exercício da função ou em razão dela”. Por que será?
Este aviso seria necessário se o contribuinte encontrasse um serviço público à altura, condizente, responsável, efetivo, eficiente e eficaz?
Plano de carreira e aumentos automáticos tornam o funcionário desobrigado de cumprir suas funções com dedicação. De novo, há exceções, mas a ampla maioria, principalmente aqueles que nos atendem, o fazem com má vontade. Para que ele vai se esforçar, se sua promoção é por tempo de carreira e automática, assim como seus aumentos? Salvo em um ou outro governo (FHC por exemplo) que suspendeu seus aumentos, o que também é absurdo, durante 8 anos.
Então imaginem o Tesouro Nacional como hospedeiro. Todos aqueles que são sustentados por recursos dele e nada dão em troca e ainda são premiados, são parasitas sim. Esta é a definição de parasita: “É um ser vivo que retira os nutrientes necessários para o seu desenvolvimento de outro ser vivo, estabelecendo, assim, uma relação”.
A conclusão óbvia é se morre o hospedeiro, morre o parasita… se o Tesouro Nacional não suportar mais pagar seus funcionários, estes não poderão sobreviver. Simples assim… agora entende deste jeito quem quiser ou de outro quem quiser criar crises.
As palavras HOSPEDEIRO e PARASITA foram usadas por Paulo Guedes em seu sentido figurado, como metáforas. Conotação para Tesouro Nacional o primeiro e funcionário público o segundo… em momento algum ele disse que os funcionários públicos são parasitas! Há sim, e muitos, que se dedicam (ou se dedicaram) uma vida inteira prestando ótimos serviços à população. Só que por uma interpretação errônea ou divulgada de forma maldosa, levam as associações e sindicatos a se aproveitarem e, distorcendo o sentido do que foi dito, fazerem sua politicagem sindical para garantir suas mamatas e benesses.
O mesmo se deu com relação às empregadas domésticas. Numa fala sobre a alta do dólar, ele disse:
“… Não tem negócio de câmbio a R$ 1,80. Todo mundo indo pra Disneylândia. Empregada doméstica indo pra Disneylândia. Uma festa danada. Peraí. Vai passear ali em Foz de Iguaçu, vai passear ali no Nordeste, cheio de praia bonita. Vai pra Cachoeiro de Itapemirim, vai conhecer onde o Roberto Carlos nasceu. Vai passear no Brasil, vai conhecer o Brasil, que tá cheio de coisa bonita pra ver”…
A expressão “empregada doméstica” foi, nitidamente, utilizada em sentido figurado, novamente como metáfora, com conotação de classe mais pobre e mais numerosa. Não dá pra todo mundo ficar viajando pro exterior, porque a saída de dólar vai complicar nossa economia. Ele quis dizer também que, assim o turismo interno ficaria prejudicado, os exportadores prejudicados e com isso nossa balança comercial iria pras cucuias, atrapalhando nossa economia e atrasando nosso crescimento.
Sei que para alguns é difícil entender este tipo de metáfora. Fica muito mais fácil focar (verbo da moda) na expressão – empregada doméstica não pode ir à Disney – que pode dar manchetes e fazer com que sindicalistas e a oposição, deitem e rolem em cima do que se interpretou e não do que foi realmente dito metaforicamente.
Desculpem, mas é complicado você querer ensinar a quem não quer aprender, ou, METAFORICAMENTE FALANDO: “dar murro em ponto da faca”…

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

5 Comentários

  • Rute Abreu de Oliveira Silveira 18 de fevereiro de 2020

    O texto foi “ cirúrgico “. Impecável na avaliação das notícias publicadas e esclarecedor na sua essência.
    Entender metáforas é “ para os fortes”.
    Muito mais fácil, simples e muito atual é o ato de “ focar” em algumas partes de um texto, que fora de um contexto toma rumos próprios e convenientes.
    Parabéns, amigo editor.
    Um abraço.
    Rute Silveira.

  • admin 18 de fevereiro de 2020

    Que bom que vc gostou… vc sempre foi meu norte no colégio, daí a importância da sua opinião… agora que estou arriscando… rs

    • Rute Abreu de Oliveira Silveira 18 de fevereiro de 2020

      Por favor, continue “ se arriscando”. Você é muito bom naquilo que se propôs a fazer. Obrigada pelo elogio. Nem sei se mereço, mas agradeço. Que venham novos editoriais.

  • Junia 26 de março de 2020

    Texto brilhante. O unico que tratou do assunto por um ângulo diferente. Contou um caso, passou a informação correta, deu uma aula ampla mostrando a deformação do contexto, deu o exemplo do que é o bom texto e ainda ensinou Português: texto, interpretação de texto, e o sentido real e figurado da conotação e denotação.
    Aplausos!

    • admin 26 de março de 2020

      Obrigado, amiga. Vindo de vc eu sei que é verdadeiro, pq vc não puxa-saco de ninguém. Rs

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *