19 de março de 2024
Editorial

A “Viúva Porcina” da nossa Educação

Para aqueles mais jovens, a viúva Porcina foi uma personagem de Dias Gomes e Aguinaldo Silva, numa novela chamada Roque Santeiro, pronta para ir ao ar em 1975, mas censurada no dia de sua estreia pelos órgãos do governo da época, responsáveis por “examinar e avaliar ANTES” tudo o que fosse ser publicado ou exibido, ou seja, o SNI (Serviço Nacional de Informações) e o DOPS (Departamento de Ordem Política e Social). Somente foi “permitida” sua exibição, em 1985. Foi um sucesso, um dos maiores da então TV Globo. Por um lado pela expectativa de o público querer saber o porquê da proibição e, em segundo lugar, pela obra, autores e atores que certamente fizeram desta novela um dos maiores sucessos até hoje.

Dentre seus personagens, havia a viúva do protagonista “Roque Santeiro”, que, por acaso, foi a nossa atual ex-secretária de cultura, Regina Duarte, num de seus melhores, se não o melhor desempenho. Fazendo par com Lima Duarte (Sinhozinho Malta), formaram uma dupla maravilhosa. Ela era considerada viúva porque Roque Santeiro havia desaparecido e dado como morto, por isso o adjetivo “viúva”, mas depois, na trama, percebeu-se que ele não morrera, logo ela era viúva sem nunca ter sido…
Exatamente o que aconteceu com o ex-futuro Ministro da Educação, Carlos Alberto Decotelli. Que, antes mesmo de ser nomeado, foi demitido, ou seja, a verdadeira VIúva Porcina da nossa Educação… ele foi ministro, sem nunca ter sido.

Foto: Google – O Tempo

Currículos são importantes para um cargo público? Não sei. Já tivemos Ministro da Saúde, como José Serra por exemplo, que nem médico e nem currículo compatível tinha. O mesmo ocorreu com diversos outros Ministros , inclusive um da Educação: como Paulo Renato Souza, economista, e até mesmo com um Ministro da Fazenda, o mais historicamente conhecido, de péssima lembrança em sua presidência, FHC, sociólogo, que estava tranquilamente como Ministro das Relações Exteriores e foi chamado por Itamar Franco para ser seu Ministro da Fazenda sem nunca ter diploma nem currículo na área e que, com a equipe montada, acabou com a inflação no país com a criação do Real… a história mostrou depois que ele, como presidente, foi um fiasco, mas isso é outra coisa, assim como o que veio depois…
O que eu quero dizer, e, como sempre me alongando mais do que deveria, é que o currículo para o cargo de Ministro importa até a página 3. O que importam são suas ideias, seus planos e projetos para a pasta. Ele precisa saber montar sua equipe e gerenciá-la.
Houve um erro crasso no currículo de Decotelli. Este erro, não foi observado, nem pela ABIN, nem pelo Gabinete Civil. E isso deixou o Presidente Bolsonaro numa situação extremamente delicada, afinal, para a população, o Presidente o escolhera para o Ministério da Educação.
Diga-se de passagem que, pra mim ele seria um excelente Ministro, não só por sua vivência na área, quanto pela sua vontade de iniciar projetos e fazer um plano de longo prazo para a nossa Educação, coisa que faltou em muitos governos, inclusive no atual. Não temos uma definição de como deve ser nossa educação há tempos.
Ideologia ou militarismo na Educação? Não gosto de nenhum dos dois extremismos, prefiro o termo MODERADO e que eu acho que Decotelli o preencheria. Pelo que vi da sua experiência profissional na área da Educação, está muito mais preparado para exercer a função de ministro nesta área do que muitos doutores com quilos de currículo, que têm o peso do papel impresso, dos títulos, e que, de forma nenhuma, representa o peso da experiência profissional de trabalho contínuo e perseverante, com dedicação à função que executa.
Foi errado, sim, muito, na minha opinião… mas, normalmente quando se chega ao nível de Decotelli, quem faz ou redige seu currículo não é o próprio. Alguém o faz e, no caso, o fez erradamente… de forma dolosa ou culposa, não importa. Títulos lhe foram atribuídos sem que ele os tivesse concluído. Bastaria alterar a forma da escrita: em vez de “Doutorado na Argentina”, o que se pressupõe a conclusão do curso, poderia colocar – e não seria mentira – “curso de doutorado na Argentina…”.
A mesma coisa com o Pós-Doutorado na Alemanha… ele concluiu o curso, mas como não foi aprovado e não teve suporte financeiro para refazê-lo, não defendeu sua tese. Novamente uma pequena alteração na forma de exibir o “título” no currículo, resolveria o problema.
Surpreendeu-me, no entanto, a declaração oficial da FGV de que ele não era Professor daquela Fundação… ora, ele trabalhou lá pelos últimos 40 anos e sua Carteira Profissional comprova isto. O fato de ele ser contratado como “colaborador” é pura semântica… ele tem alunos que estudaram com ele durante todos estes anos, e é muitíssimo respeitado dentro da Fundação, que infelizmente, se encontra aparelhada e atua, para fora, mais politicamente do que deveria.
Concordem ou não, ele seria um excelente Ministro. Creio que o momento político atual, pressionou o Presidente a não mantê-lo, o que foi uma lástima, porque perdemos um excelente ministro… todo o resto é a mídia esquerdista que deu destaque apenas aos fatos indevidos (e realmente inverídicos), não considerando sua qualidade técnica, reconhecidas até mesmo pela esquerda política… coisa rara!!!
Fico com a frase dita por Decotelli: “Eu queria que perguntassem à Fundação Getúlio Vargas por que ela fez esta carta de destruição inverídica. Eu pediria a meus alunos da Getúlio Vargas que mostrassem que têm o meu nome no certificado. Eu queria que os meus colegas da Fundação Getúlio Vargas dissessem isso também. Não acredito que eles negariam esta afirmação”…
O país perdeu mais uma vez. Perdemos um Ministro, com projetos, com planos e que poderia dar um rumo na Educação do país mesmo no pós-governo Bolsonaro… infelizmente ele não teve o tempo necessário.
Não, não estou defendendo que inserções inverídicas em currículos sejam uma forma de conseguir melhores empregos… longe disso. Apenas acho que, ao se indicar alguém para um cargo federal, a ABIN, o GSI, a PF e, principalmente, o Gabinete Civil deveriam antes da divulgação do nome, investigar e, quando for o caso corrigir ou esclarecer informações errôneas ou inconsistências curriculares, para que sejam acertadas ANTES de o Presidente se expor com a nomeação.
Independente de o Decotelli ter sido indicado por Bolsonaro ou por qualquer outro presidente… pra mim vale sua capacidade… o currículo deve ser considerado, como diferencial, mas nunca ser essencial…
Aliás, vale lembrar que Decotelli está longe de ser a única personalidade política a ter inconsistências em seu currículo. Só para lembrar alguns que foram exibidos pela imprensa:
“O Ministro do STF Alexandre Moraes afirmou ter cursado pós-doutorado na Faculdade de Direito do Largo São Francisco, da Universidade de São Paulo, ao mesmo tempo em que fez doutorado, o que é impossível. O prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella (PRB), dizia ser doutor em Engenharia Civil pela Universidade de Pretória, na África do Sul. A ex-presidente Dilma Rousseff afirmava ser mestra e doutora em Economia pela Unicamp. A ministra Carmen Lúcia, do STF, dizia ter doutorado em Direito pela USP. Todos mentiram”. (ChapecoOnline – fevereiro de 2017)
Depois dessa, fico por aqui.

Valter Bernat

Advogado, analista de TI e editor do site.

Advogado, analista de TI e editor do site.

4 Comentários

  • JOAO LUIZ MIRANDA NAIBERT 4 de julho de 2020

    Parabéns pelo artigo, muito bom. Excelente reflexão

    • admin 4 de julho de 2020

      Obrigado pela leitura, amigo.
      abraços
      Valter

  • Rute Abreu de Oliveira Silveira 16 de julho de 2020

    Muito bom o seu artigo.
    O Decotelli era meu amigo na Primeira Igreja Batista do Rio de Janeiro ( a PIB)
    Tivemos uma grande convivência na nossa adolescência/ juventude.
    Fiquei feliz com a indicação dele para a Educação.
    Fiquei muito triste com a inconsistência do currículo dele. Uma pena!
    Mas triste ainda pela omissão da FGV,… lastimável.
    Que a nossa Educação possa ser “ colocada nos trilhos”.
    Um grande abraço, Valtinho.

    • admin 16 de julho de 2020

      Lamentável que “alguém” que escreveu seu currículo tenha “esquecido” de expressões simples como: “em curso”, “por terminar” ou simplesmente “em andamento”… isso já resolveria o problema, mas infelizmente a pá de cal veio da FGV que não reconheceu 40 anos de trabalho dele como professor, ao qual eles chamam de “colaborador”… aparelhamento é problemático sempre. bjs, obrigado pela leitura.
      Valter

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