26 de abril de 2024
Adriano de Aquino

O ultrajante editorial do Estadão

Ainda não havia me recuperado do ultrajante editorial de ontem no ‘Estadão’ que, em linhas gerais, apoia o fim da Lava Jato e o retorno ‘instantâneo’ dos processos aos domínios do STF, quando na manhã de hoje recebi uma matéria (link abaixo) que abrandou minha revolta. Alguém, além de nós, está vendo a manipulação em curso de maneira  parecida com a nossa forma de ver e avaliar a situação.
A proposta descarada do referido Editorial não esconde sua simpatia pela anulação das sentenças decididas por dois tribunais. É  isso  que acontecerá caso o STF decida derrubar as regras do código penal vigente.
Não adianta tentar  esconder. Caso a prisão em segunda instância seja voto vencido, as condenações voltam à estaca zero, ou seja, voltam à fase antecedente à decisão do juiz de primeira instância. Falam por aí que a nova jurisprudência que sair do STF não fará  retroceder as decisões anteriores.Há quem acredite. Eu não! Afinal há aquela regra de que a lei pode retroagir em benefício do réu…
As decisões do tribunal de primeira instância e do colegiado do TRF4 ( 2ªInstancia) serão contestadas. Embargar e protelar é prática comum para essa categoria de gente.
Todos os processos serão remetidos pelo STF para as fases iniciais de investigação e posterior  procedimento acusatório. Tudo deverá ser refeito e novamente julgado.
Propor tal coisa é coadunar com os velhos e suspeitos tramites da lerda justiça brasileira que gera insegurança jurídica, incertezas e desconfiança do cidadão. Só interessados diretos e indiretos na preservação do saque à coisa pública e a impunidade ‘garantista’, negam a verdade.
Supor que os longos e penosos julgamentos no STF, que findam por decurso de prazo, são ‘garantia’ de justiça é puro deboche.
Uma das coisas que mais me revoltou naquele editorial foi o trato ‘especial’ do editor aos membros da Corte Suprema e seu profundo desrespeito ao cidadão brasileiro, tratado como pessoa incapaz de discernir as torpes jogadas envolvendo corruptos impunes para sempre. E, pior, revela a intenção de um grupo de poderosos e influentes réus que não pensam outra coisa que trazer o país  de volta para antes da Lava Jato.
Só a má-fé explica a hipótese de alguns editores de que o ‘garantismo’, aplicado pelo STF, é algo diferente do velho artifício das classes dominantes que desde o período colonial, passando pelo império e varando a república, enlaçado pelo arcaico patrimonialismo, mandava – ainda manda – na justiça.
Essa deformidade se espelha na insegurança jurídica que afeta a sociedade e o país.
Não precisa pesquisar muito para se aferir que em cinco anos, por mérito da Operação Lava Jato, o cidadão brasileiro viu corruptos do ‘colarinho branco’ , que arruínam a ética e comprometem as finanças do país,serem investigados e processados por rituais jurídicos transparentes, com todas as garantias legais aos réus.  Alguns foram inocentados, outros condenados e presos por seus crimes.
Coisa até então inédita no país!
Antes disso, antes  da Lava Jato, essas ‘celebridades’ não passavam mais de 48 horas nas delegacias.
Logo recebiam HCs em urgência urgentíssima.
Fala-se de superlotação carcerária. Porém, é ridículo imaginar que essas cadeias estão lotadas de ’colarinhos brancos’.
Elas estão entupidas de gente pobre, que não tem grana para pagar os caríssimos adEvogados que os ‘heróis’ da resistência esbanjam com a maior naturalidade porque o dinheiro de fato não lhes pertence, saiu dos cofres da nação. Por isso eles parecem tão tranquilos em pagar caros advogados e emitir ‘na boa’ a transferência de 40 ou mais milhões de reais, após delação, para obterem o direito de responder em liberdade.
Tendo em vista, os cinco anos de ações de justiça igual para todos, o cidadão brasileiro se sentiu valorizado e correspondido.
Algo inédito em nossa triste história.
Por conta disso, as torpes tentativas de findar a Lava Jato, ZERAR o que foi feito, retornar ‘aos bons tempos’ e consolidar a tradição patrimonialista, agridem profundamente a sociedade.
Não bastasse uma história pavimentada de injustiças, é revoltante ver editoriais e comentaristas da imprensa menosprezarem um avanço tão significativo para a autoestima do povo.
Seria ruim, porém, menos desonesto, que os editorialistas e a politicalha ‘blindada’ dissessem em coro: Ótimo! Em cinco anos a Lava Jato redimiu 500 anos de esbórnia jurídica, privilégios e crimes impunes praticados por gente do ‘andar de cima’, das coberturas com vista para as suas contas Offshore. Agora basta! Já deu!
Ainda estava vociferando essas palavras quando um amigo me enviou uma matéria publicada no site Bloomberg.
Ao ler minha indignação se abrandou um pouco. Se os editorialistas brasileiros não olham para o país de forma responsável, nada impede que um jornalista estrangeiro – alheio os esquemas da mídia ativista nativa-  o faça de forma clara e honesta.
Compartilho alguns tópicos do texto e o link da matéria completa. “Brazil’s Supreme Court Is Out of Control / Supremo Tribunal Federal está fora de controle”.
A economia está prejudicada por juízes de celebridades e um tribunal sobrecarregado que não pode emitir decisões duradouras.
Ninguém nega que as economias da América Latina estão sofrendo, com o crescimento regional previsto para atingir apenas metade da média global no próximo ano. E há pouca discussão sobre uma grande razão para a queda. A ausência de regras claras e um sistema jurídico confiável desencoraja o investimento e o gerenciamento eficaz dos negócios. Então, por que o mais alto tribunal do Brasil está revendo uma pedra angular do código penal do país, uma ação que pode libertar milhares de criminosos condenados, desencadear discórdia partidária e lançar uma nuvem sobre a unidade anticorrupção que livrou os cargos públicos de corruptos? A pergunta perante a Suprema Corte do Brasil parece prosaica: quando um criminoso condenado deve ir para a prisão? A lei atual diz que o tribunal pode prender qualquer réu cuja condenação seja mantida em recurso. É um padrão razoável para uma terra em que ricos infratores contratam advogados inteligentes para contundir os tribunais com mandatos e moções, em um esforço para manter-se fora da prisão indefinidamente(…)’
Bloomberg Opinion  / Mac Margolis  21 de outubro de 2019.
Adriano de Aquino

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

Artista visual. Participou da exposição Opinião 65 MAM/RJ. Propostas 66 São Paulo, sala especial "Em Busca da Essência" Bienal de São Paulo e diversas exposições individuais no Brasil e no exterior. Foi diretor dos Museus da FUNARJ, Secretário de Estado de Cultura do Rio de Janeiro, diretor do Instituto Nacional de Artes Plásticas /FUNARTE e outras atividades de gestão pública em política cultural.

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