28 de março de 2024
Colunistas Walter Navarro

O Nenúfar de Beirute


Como a Itália, há um mês, desde sexta-feira, 31 de julho, o Líbano povoa meu imaginário.
Sobre a Itália, comecei escrever, parei, mas vou voltar. São aquelas “coisas” … Coisas que “do nada” puxam outras.
E o Líbano, em estranha geografia, me levou à Alemanha, mais precisamente à série “Dark”, uma das mais instigantes destes confinamentos de Netflix.
Com o Líbano na cabeça, a terceira e nova temporada de “Dark”, vi-me obrigado a rever a primeira temporada. Comecei a segunda, ontem. É uma série densa e tensa.
Faz pensar e pensar é delicioso e inevitável masoquismo.
A série, como a vida, tem um pouco de sexo e muita mentira. Tem também mistérios e perguntas sem respostas que vão daqui até a China, passando pelo Egito.
Em “Dark”, Deus não existe. Melhor, Deus é o Tempo, com todo o Bem e todo o Mal.
Bem escondido, Mal disfarçado. E, em cidades pequenas, isso fica mais evidente. “Um rei sem diversão é coisa muito perigosa”.
Quem teria coragem de viajar no tempo? Um perigo danado. Tudo tem consequências. Imaginem a gente voltar 20 anos no tempo. Ou 33 anos, como na série. Voltar ao passado ou visitar o futuro. Impotentes, podemos ver nossos pais antes de nascermos e nossos filhos morrendo mais velhos que nós.
Estou com antipatia daquele baiano que canta, mas reconheço o gênio de seus versos, como “Narciso acha feio o que não é espelho”, “a gente não sabe o lugar certo onde colocar o desejo”, “tempo, tempo, tempo…” e “está provado que é só é possível filosofar em alemão”. Mesmo que, para mim, alemão é tão grego quanto a filosofia.
Repito, tudo está ligado. Como a série “Freud” que é muito mais ou menos e austríaco-alemã.
“Dark” insiste numa ciência em que acredito e concordo. Coincidências são como bruxas, não existem, mas acontecem.
Nada é ou acontece por acaso, assim como tudo está ligado: passado, presente e futuro.
E não adianta rezar! Somos todos vulgares peões num tabuleiro de xadrez com jeitão de labirinto e Minotauro. O jogo está lançado. Por isso, tanto Líbano “sem querer”, passando pelo atalho “Dark”.
Por razões deliciosamente pessoais, quase fui ao Líbano em 2012. Não fui porque depois de anos de guerra, paz, ordem e progresso, naquele ano o terrorismo voltou a atacar Beirute. Preferi conhecer a Toscana, na Itália e passar meus 50 anos na terra de meus ancestrais, Lucca. Ou seria Trieste, do outro lado?
Não! Confundi. Beirute era para 2013, mas desisti por causa do atentado de 19 de outubro de 2012, aniversário de Vinicius de Morais. O meu é dia 9.
No início do Século 20, meus bisavós italianos pararam em Barbacena, via Santos, um porto importante como o de Beirute. À mesma época, Barbacena também recebeu muitos libaneses. Posso afirmar que a amizade entre minha família e outras, de origem libanesa, é mais que secular. Pizza e quibe!
Bom! Estou imerso em “Dark”, desde domingo e pensando no Líbano, desde sexta.
A segunda-feira foi apenas estranha. Mas terça-feira o porto de Beirute explodiu, misturando tudo.
Guardadas as proporções, a explosão lembrou-me a “Rosa de Hiroshima” que, hoje, 6 de agosto, completa 75 anos. “A rosa hereditária, radioativa, estúpida e inválida. A rosa com cirrose, a anti-rosa atômica, sem cor, sem perfume, sem rosa, sem nada”, como queria o mesmo Vinicius de Moraes e Ney Matogrosso, aniversariante do dia 1º de agosto, como meus irmãos gêmeos e meu primeiro grande amigo suicida, que também era Walter e………..alemão!
E Por que Hiroshima e Nagasaki levaram duas bombas atômicas na cabeça? Porque foi brincar jogos de guerra ao lado de quem, de quem, de quem? Isso mesmo, Itália e Alemanha!
E qual o personagem principal de “Dark”, ao lado da caverna? Não uma bomba, mas uma usina atômica.
Este texto poderia chamar-se “A Rosa Púrpura de Beirute”, mas a primeira explosão teve uma fumaça laranja puxando para o nitrato de amônia em toneladas mudas, telepáticas, cegas, inexatas, rotas, alteradas, feridas, como rosas cálidas.
Já o aquático nenúfar, como a rosa púrpura do Cairo, vem das noites mais antigas das pirâmides, é a lótus do Egito e também as ninfeias de Monet. Cedro, no Líbano, só na bandeira!
Monet era francês, assim como o Líbano foi um “protetorado” francês. Por isso o presidente Macron foi o primeiro presidente, estrangeiro como Camus, a visitar Beirute, “A Paris do Oriente”. E ainda está lá, puxando a orelha dos políticos que afundaram o país em corrupção, falência, desemprego e miséria. A Covid19 foi a cereja do bolo que na verdade era um vulcão.
E ontem, quarta-feira, eu continuava nas trevas de “Dark”, quando o amigo Alexandre, via WhatsApp, me avisa do falecimento de Aloísio Sad!
Sad, Sadi, Saad, Saade, Sady… Tudo libanês “buona gente”.
“Tio” Aloísio Sad, 92, era o último sobrevivente da família, o último contemporâneo e amigo de meu pai. O último Navarro, da mesma geração, foi meu tio Décio Navarro, 95, dia 1º de junho deste mesmo sinistro 2020.
A chama de ambos – de luz, não de explosão – ficou com os filhos, sobrinhos, meus primos; tudo “brima e brother”.
Fui ao velório, claro. Este ano trocamos os bares pelas capelas funéreas. Tinha tanto Sad (triste em inglês) que me deu vontade de sair “esfihando” por aí.
Voltei para casa e o Macron continuava na minha TV, visitando os destroços de Beirute e dando sermão. Aliás, o que sobrou do porto também parece as ruínas de Hiroshima. E olha que se o mar não tivesse absorvido metade do impacto da explosão, Beirute teria sido riscada do mapa. Agora, só me falta essa, a pequena cidade Widen, de “Dark”, virar uma Chernobyl, que toda hora é citada na série.
Macron é aquele que criticou os incêndios na Amazônia e não conseguiu apagar o fogo que escalpelou a Notre Dame de Paris. Porém, ainda em chamas, a catedral já tinha conseguido dois bilhões de euros para sua reconstrução.
E de Beirute? Só vai restar o sanduíche?
O Líbano é um país minúsculo, tem 10 mil e poucos metros quadrados. Minas tem quase 600 mil … E o Líbano, como todo baixinho invocado, está sempre metido em confusões e guerras. Mas que povo forte! Tudo fenício!
O Brasil tem mais libaneses que o próprio Líbano. E a mistura deu certo em forma de lindas brasileiras com curvas e olhos amendoados.
O mundo está cheio de libaneses. E muitos são muito ricos. É onde eu queria chegar.
Israel também é um país minúsculo, mesmo duas vezes maior que o Líbano. O Japão mede pouco mais da metade de Minas, como a…………Alemanha e a…….. Itália!
Desconfio severamente de que Israel é uma potência porque, além de tudo, seus filhos, como os libaneses e italianos, estão espalhados pelo mundo e os mais ricos enchem o país de dinheiro.
Queria ver acontecer a mesma coisa no Líbano, a começar pelos milionários libaneses do Brasil.
PS: Quanto a mim, prometo ir a Beirute, assim que der e “Dark” acabar. O problema é que, a série ensina, todo começo é um fim e todo fim é um começo. Como nesta crônica. “Salamah”!

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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