29 de março de 2024
Colunistas Sergio Vaz

A Busca / Historia de un Crimen: La Búsqueda

De Catalina Aguilar Mastretta, Santiago Limón, Katina Medina Mora, diretores, México, 2020
Nota: ★★★☆
Em 2010, uma tragédia familiar chocou e comoveu o México: uma garotinha de 4 anos de idade desapareceu de sua casa, num condomínio de ricos na cidade de Huixquilucan, na região metropolitana da capital federal. Nove dias depois, seu corpo foi encontrado – em seu próprio quarto, na sua própria cama.
O caso não saía das manchetes dos jornais, dos telejornais.
Historia de un Crimen: La Búsqueda, no Brasil simplesmente A Busca, minissérie de 6 episódios, de 2020, conta todo o caso. É uma série bem realizada em todos os quesitos – fotografia, montagem, trilha sonora. O elenco está todo uniformemente correto, a direção – de Catalina Aguilar Mastretta, Santiago Limón, Katina Medina Mora – é segura, firme.
E o caso, a história, é fascinante – e chocante.
A sensação que dá é que a história da garotinha Paulette Gebara Farah teve, sobre as pessoas em geral, no México, o impacto que tiveram aqui os tristíssimos casos dos assassinatos da Rua Cuba, do assassinato dos pais do casal Von Richthofen e da garotinha Isabella Nardoni – juntos!

Uma autoridade incompetente – e todos os erros possíveis

Há vários, diversos elementos impactantes na história – todos muito bem mostrados na série. O primeiro deles, sem dúvida alguma já adiantei no primeiro parágrafo deste texto: o fato de que o corpo de Paulette ter sido encontrado na sua própria cama, nove dias depois que toda a imprensa mexicana falava do seu desaparecimento.
O caso virou tema político, como infelizmente acontece tantas vezes com grandes tragédias, não apenas nos países pobres de nuestra América Latina, mas em todo o mundo. O avô paterno da garota, Maurício Gebara Senior (Enrique Singer), tinha relações de amizade com o político que havia sido governador do Estado do México, e pediu ao amigo que intercedesse para que a polícia estadual desse prioridade total ao caso.
O então governador, Enrique Peña Nieto, era candidato à Presidência da República, e exigiu das autoridades de segurança prioridade total para o caso que comovia a opinião pública.
E aí aconteceu um imenso azar para todos os envolvidos na história: o procurador de Justiça estadual encarregado de chefiar as investigações era um sujeito absolutamente despreparado, incompetente, imbecil, idiota, vaidoso, autoritário.
As polícias cometem erros – no mundo todo. Na ficção e na vida real. Vemos isso na TV todo santo dia – nos noticiários, nos programas jornalísticos, assim como nos filmes, nas séries de TV.
Pressionada pelo governador do Estado, pela imprensa, e nas mãos de um absoluto pustema, a polícia do Estado do México cometeu todos os erros possíveis e imagináveis – e mais todos os que não se poderia sequer imaginar.
O tal procurador, Alberto Bazbaz, é um dos protagonistas da série. É interpretado por Dario Yazbek Bernal – e esse rapaz, bem jovem, nascido em 1990 na Cidade do México, 15 títulos no currículo, tem uma interpretação excelente. À medida em que vai sendo cada vez mais pressionado por emissários do governador do Estado e pela imprensa, a fisionomia dele vai mudando, o rosto vai ficando com manchas – uma coisa impressionante.
(Nas fotos acima, Alberto Bazbaz à esquerda e o ator Dario Yazbek Bernal à esquerda.)
No quinto e penúltimo episódio, há uma sequência em que Miguel Gómez (Alejandro Calva), o chefe de redação da emissora de TV que tem papel importante na narrativa, observa o procurador Bazbaz dando uma entrevista no estúdio. Está separado do estúdio por uma espessa parede de vidro, e não consegue conter o comentário: – “Já tivemos todo tipo de procurador. Ladrões, corruptos, mentirosos, bêbados – mas nenhum se compara a isso. Nada do que ele diz faz sentido.”
A absoluta incompetência do procurador Bazbaz – que a série faz questão de demonstrar em vários momentos de cada episódio – é de fato impressionante. Como é trágico para uma cidade, um Estado, um país, ter gente absolutamente incompetente em posição importante, em posto de comando. Nós, brasileiros, sabemos muito bem disso – e seria desnecessário falar o nome de dois absolutos incompetentes que se elegeram presidentes da República nos últimos anos.

Uma amiga doida para aparecer, uma repórter batalhadora

Para chefiar diretamente a investigação, em campo, Bazbaz encarregou um subprocurador de quem ele não gostava muito, mas que tinha fama de durão, trabalhador – embora nem sempre fizesse tudo respeitando os limites dos regulamentos -, chamado Castillo (Adrian Ladron). Castillo parece ser mesmo um sujeito dedicado, empenhado – mas o espectador verá que esconde dos demais envolvidos na investigação um fato importante, depois um outro.
Os pais da garotinha Paulette não estavam vivendo um bom momento. Na véspera da manhã em que as duas babás deram pela falta de Paulette, o pai chegou de uma viagem de fim de semana com as duas filhas – além de Paulette, o casal tinha uma filha um pouco mais velha, aí de uns 6, 7 anos, que a série mostra pouquíssimo, quase nada. E a mãe chegou de volta também – de uma outra viagem, a um outro lugar.
Não vai demorar para o espectador ficar sabendo que a mãe havia viajado com a maior amiga e um grupo de homens – e que um dos homens era amante dela.
O pai, Maurício Gebara, é interpretado por Daniel Haddad. A mãe, Lizette Farrah, por Verônica Bravo. A melhor amiga de Lizette, Amanda, é o papel de Diana Bovio.
(Nas fotos acima, Lizette à esquerda, e a atriz Verônica Bravo à direita. E, abaixo, Amanda à esquerda e a atriz Diana Bovio à direita.)
Tanto Maurício quanto Lizette reagem ao desaparecimento da filha demonstrando mais um certo torpor, um certo alheamento, do que com sinais externos de pavor, imensa dor. Lizette não chora, nos primeiros dias após o desaparecimento da garotinha – e esse detalhe será reparado e comentado por todos.
O caso já seria notícia nacional de qualquer forma, já que se tratava do desaparecimento – seria sequestro? – de uma criança de família de classe média alta, de um condomínio de ricos, teoricamente superprotegido, bem guardado. Ainda mais de uma família com altos contatos políticos.
Mas Amanda, a amiga de Lizette, ajuda, e muito, na divulgação cada vez maior da história. Essa Amanda se revela uma personalidade complexa, interessante. É daquele tipo de socialite que faz de tudo para aparecer na mídia; apresenta-se às vezes como atriz, outras como escritora, diz ter muitos amigos no meio artístico.
Nos primeiros momentos, faz de tudo para divulgar o desaparecimento de Paulette ao máximo, nas redes sociais, na imprensa. E divulgar fotos da garota, pedir a cooperação das pessoas, da sociedade até faz sentido.
Mas Amanda exagera na dose.
E, já que as atenções de todo o país se voltam para a família de sua grande amiga Lizette, Amanda resolve passar alguns dias na casa dela, para dar apoio, suporte – e, claro, estar no centro de tudo, no olho do furacão. Dorme na cama – agora vazia – da menina desaparecida.
Há mais uma personagem importante na trama criada, a partir dos fatos reais, por uma trinca de roteiristas, Fabián Archondo, Silvia Jiménez, Santiago Limón. É a jornalista Carolina, uma repórter da emissora de TV cujo chefe de redação é o já citado Miguel Gómez.
Carolina (interpretada por Regina Blandón, uma atriz que me pareceu muito interessante) trabalhara antes cobrindo a área bem mais amena de artes e espetáculos. Havia brigado muito para sair daquela editoria e ir para a área de reportagem de hard news, o noticiário mais pesado, mais sério. E entra no caso Paulette Gebara Farah com um apetite, uma garra insaciável.
Vai conseguir alguns furos – inclusive uma entrevista exclusiva com Lizette, a mãe de Paulette, as duas no quarto da garota, sentadas na cama dela. A mesma cama onde poucos dias depois o corpo de Paulette seria encontrado.

Um longo aviso: é ficção baseada em história real

É uma trama, como falei lá acima, fascinante – e também chocante, apavorante.
Saber que aquilo ali é a encenação de uma história que aconteceu na vida real, apenas 10 anos atrás, torna tudo ainda mais chocante, mais apavorante.
Os realizadores ressaltam com firmeza, com insistência, o fato de que o que estamos vendo é a encenação de uma história real. No início de cada um dos seis episódios de cerca de 40 minutos, lemos o aviso: “Inspirado en hechos reales”.
E, ao final de cada uma delas, há este texto, que deve ter sido elaborado com extremo cuidado e submetido à aprovação de advogados contratados pelas produtoras, para evitar problemas legais, processos judiciais:
“Esta série se inspira em fatos reais. Os eventos e personagens representados com relação ao caso foram levados à ficção com o propósito de retratar um dos casos mais trágicos, controversos e explorados pela mídia na história do México. As cenas mostradas não pretendem ser um reflexo fiel da realidade. Alguns dos nomes foram modificados com o propósito de mostrar uma versão fictícia de uma história amplamente conhecida, sem afetar o bom nome e a privacidade daquelas pessoas que, apesar de associadas com a história, não são conhecidas pelo público. A existência de alguns dos fragmentos são produtos da criatividade, da ficção, e têm propósitos narrativos. A verdade processual sobre o caso está nos expedientes e nas decisões judiciais respectivas.”
Claro – os produtores têm que tomar toda a cautela possível para evitar condenações na Justiça que levem a pagamentos por danos morais. No entanto, de forma ousada, corajosa, ao final do sexto e último episódio, a série – como fazem tantas obras baseadas ou inspiradas em fatos reais – relata, em letreiros, o que aconteceu com os principais personagens após os fatos mostrados na narrativa.
E detalha o que veio a acontecer não apenas com os personagens mais diretamente envolvidos – o pai, a mãe, Amanda – mas também com as personalidades políticas, as autoridades, que, de uma maneira ou outra, acabaram se enfiando nesse tristíssimo drama familiar.
E isso a série mostra com grande qualidade: quando ambições políticas interferem com o trabalho das instituições, todos saem perdendo: as instituições, os políticos, as pessoas envolvidas – e também a verdade.
É bem o que o Brasil está assistindo neste ano terrível da pandemia do novo coronavírus.
(Nas fotos abaixo, a repórter Carolina Tello à esquerda e a atriz Regina Blandón à direita. As duplas de fotos usadas neste post foram tiradas do site SensaCine México.)

O caso Paulette de fato nos faz lembrar de histórias daqui

Fiquei pensando, depois de ver essa boa série, que de fato o caso Paulette deve ter sido para muitos mexicanos o que para nós foram aqueles episódios que citei no início deste texto: o assassinato do casal Manfred Albert e Marísia von Richthofen, o assassinato da garotinha Isabella Nardoni, o assassinato do casal Jorge e Maria Cecília Toufic Bouchabki.
O caso da garotinha mexicana acaba tendo mais pontos comuns com o caso do casal Bouchabki, assassinado na Rua Cuba, no Jardim Europa, das regiões mais nobres de São Paulo, assim como Paulette desapareceu num condomínio nobre da região metropolitana da capital do México.
O que aumenta, creio, a tragédia.
Os Richthofen – ficou mais do que claro, mais do que provado – foram assassinados pela filha do casal, Suzane, que usou os irmãos Daniel e Cristian Cravinhos. A garotinha Isabella foi morta pela madrasta, Anna Carolina Jatobá, e pelo pai, Alexandre Nardoni. Ao fim de toda a investigação, e do julgamento, não havia mais espaço para dúvidas a respeito disso – a não ser na cabeça dos eternos amantes da teoria conspiratória da História.
Já no caso da Rua Cuba, ninguém foi condenado, ninguém foi levado a julgamento.
Creio que a única pessoa que foi punida pelo crime da Rua Cuba foi meu amigo Anélio Barreto, que, com sua paixão pela reportagem – e pelas novelas policiais -, escreveu uma série de reportagens reconstituindo a história no Jornal da Tarde em 1989, em que ousava concluir que o assassino havia sido o filho do casal. Perdeu o emprego por isso.
Se o eventual leitor quiser ler a série de reportagens de Anélio Barreto, ela está no livro que ele lançou pela Belaletra Editora em 2013, Histórias que os jornais não contam mais, que pode ser encontrado no site Estante Virtual – ou então aqui neste link, https://historiasqueosjornaisnaocontammais.wordpress.com/category/04-rua-cuba-parte-1/ .
Claro, a Rua Cuba é outra história.
Mas é que, como verá quem assistir à série A Busca, os dois casos têm um ponto importantíssimo em comum: nenhum deles teve um ponto final.
Os momentos finais da minissérie – aqueles que mostram em letreiros os fatos que ocorreram com os personagens – são sensacionais. Vamos lendo as informações e vendo as imagens dos personagens reais – Mauricio, o pai, Lizette, a mãe, e os demais – ao lado das imagens dos atores que os interpretaram.
Nesses minutos finais, a série usa de novo um recurso do qual ela abusa o tempo todo: o split screen, a tela dividida, para mostrar ações simultâneas, ou a mesma ação vista por dois ângulos diferentes.
Embora escrita por três roteiristas, e dirigida por três profissionais diferentes, este A Busca tem perfeita unidade – e uma das características que atravessam todos os seis episódios é essa coisa do split screen.
Não teria sentido falar aqui do que o destino reservou para os personagens mais diretamente ligados à pobre garotinha Paulette – mas não é spoiler, de maneira alguma, registrar que tanto Alberto Bazbaz quanto o então subprocurador Castillo se envolveram, depois de 2010, e até 2020, em casos extremamente controvertidos, suspeitos, que incluíram abuso de autoridade e corrupção.
E que o então governador do Estado do México, Enrique Peña Nieto, conseguiu ser eleito presidente da República em 2012. “Encabezó um gobierno empañado por na corrupción y la impunidad”, garantem os letreiros, sem medo de processos judiciais.
As últimas imagens do último episódio – mostrando as duas babás das meninas do casal, duas irmãs, na casa delas – são extraordinárias. Elas indicam o que os seis episódios já davam mesmo a entender: só as babás amavam de fato a garotinha Paulette.
Uma bela série.
Anotação em julho de 2020
A Busca/Historia de un Crimen: La Búsqueda
De Catalina Aguilar Mastretta, Santiago Limón, Katina Medina Mora, diretores, México, 2020
Com Dario Yazbek Bernal (Alberto Bazbaz, o procurador), Diana Bovio (Amanda, a amiga de Lizette), Regina Blandón (Carolina, a repórter de TV), Adrian Ladron (Castillo, o subprocurador), Antonio Arochi (Bonilla, o assessor de Bazbaz), Verónica Bravo (Lizette, a mãe da menina desaparecida), Daniel Haddad (Mauricio, o pai), Alejandro Calva (Miguel Gómez, o chefe de redação da TV), Edmundo Vargas (Lalo), Elsa Amezaga (Raquel Bazbaz, a mulher do procurador), Vianey Rodríguez (Martha Casimiro), Olinka Velázquez (Erika Casimiro), Ernesto Laguardia (Gilberto), Guillermo Villegas (Miranda Nava, secretário do governador), Avelina Correa (Ana Celia), José Juan Meraz (Roberto, o perito), Enrique Singer (Mauricio Gebara Sr., o avô da menina desaparecida), Adriana Llabres (Arlette), Everardo Arzate (Miguel Ángel Mancera), Paola Arrioja (Ana Katiria), Nicole Chávez (Sarita), Mauricio Pimentel (segurança do prédio)
Roteiro Fabián Archondo, Silvia Jiménez, Santiago Limón
Fotografia Dariela Ludlow
Música Amado López
Montagem Martha Poly Vil, Eduardo Palenque, David Torres
Casting Anilú Pardo
Na Netflix. Produção
Cor, cerca de 240 min (4h)

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