Já escrevi aqui sobre museus de Lisboa, Madri e Paris.
Tenho mais três. Acabo de fazer suculenta viagem.
Primeira vez em Nova York e Havana; via Cidade do Panamá. Fiz questão de visitar museus nas duas primeiras. No Panamá, só turismo e conexão. Legais, o Canal e o antigo bairro de Casco Viejo, museu a céu aberto, com casarões, igrejas, ruas, praças, restaurantes e principalmente bares. Fiz trajeto meio barroco. Três dias em NY, dois no Panamá, cinco em Havana, mais um no Panamá e outros cinco em NY de onde voltei. Deixei os museus de NY para o fim. Sabia que ia comprar muitos livros. É nada agradável viajar carregando quilos de livro de arte. O dito peso da cultura.
Começo pelo Museu Nacional de Belas Artes, em Havana, deliciosa e grata surpresa.
Surpresa, porque até então conhecia quase nada. Cuba ainda é um belo país fechado para reformas e para mundo. Só que não há reformas – em todos os sentidos – porque simplesmente não há dinheiro. Mas o pulso de Cuba ainda pulsa.
Chegando ao hotel, passei em frente ao Museu Nacional de Belas Artes e pensei: este não me escapa.
Dois dias depois, lá estava, fugindo do calor no belo e simples prédio, com elevadores; ar condicionado e bem iluminado, para não estragar as obras e os visitantes.
Comecei pela sala de mapas antigos, pinturas e retratos clássicos. Queria mesmo era o modernismo cubano que chegou numa explosão de cores e criatividade.
Queria Wifredo Lam. Sempre gostei de Lam (1902-1982). Principalmente, gostava do nome dele, exótico. É o mais famoso. Foi contemporâneo, amigo e colega de ninguém menos que Picasso. Lam tem quadros nos principais museus do mundo. O primeiro que vi e apreciei foi em Paris.
Logo o reencontrei e decifrei seu bizarro nome. Wifredo é cubano e Lam é chinês. O pai de Lam era chinês e tinha, pasmem, 84 anos quando o famoso filho nasceu em Sagua la Grande.
A natureza exuberante de Sagua está na pintura “picassiana” de Lam. China e Cuba também, daí a originalidade.
Em 1923, ganhou bolsa para a Europa. 14 anos na Espanha, estudando Velázquez e Goya, apaixonando-se por Bosch e Bruegel, o Antigo. Mistura a arte ocidental à primitiva. Sua primeira mulher e seu filho morreram de tuberculose. Tudo isto estará para sempre em sua arte maior. Luta na Guerra Civil espanhola, contra Franco, gerando sua Guernica, “La Guerra Civil”.
Em 1938, Paris: Picasso, Braque, Matisse, Miró, Léger, Éluard, Leiris, Tzara, Kahnweiler, Zervos. Na Galerie Pierre, a primeira individual, em 1939.
Foge dos nazistas e vai para Marselha e seus surrealistas: André Breton, Mabille, René Char, Max Ernst, Victor Brauner…
Paro por aqui. Vocês já podem imaginar a pintura de Lam, depois de tão importantes influências. É meu Picasso cubano, pronto e ponto, lembrando também sua passagem e novas influências de Nova York. Morreu em Paris.
O Museu Nacional de Belas Artes tem muita grande arte. Mas vou escrever apenas sobre Lam e dois outros mestres que descobri.
Juro que o museu é programa muito melhor que a famosa Bodeguita Del Medio, um lugar pequeno e cheio de turistas fazendo fotos.
René Portocarrero (1912-1985) é luz, cores e ritmo de Cuba.
Lembrou-me nosso Di Cavalcanti, em telas, ilustrações de livros e revistas, desenhos gráficos e murais. Foi autodidata. Nos anos 40 aborda as festas populares e se inicia na cerâmica. Em 1962, na exposição Color de Cuba, imagens religiosas vinculadas, mulheres – como as mulatas de Di Cavalcanti – e figuras de carnaval. Bem Brasil, não é?
Querem mais Di? Nos anos 60, Portocarrero entra na fase floral. Para quem gosta de Di Cavalcanti cubano…
Penetremos agora em minha maior surpresa, que superou até mesmo Wifredo Lam, o trágico e genial, Ángel Acosta León (1930-1964). O jovem surrealista desapareceu ou se matou no mar, aos 34 anos. Voltava da Europa e pulou do navio. No museu, dizem que desapareceu no mar. Na literatura, sem censura, foi suicídio.
Não esperem um surrealismo no estilo Dali e outros mestres da escola. Mas, como no caso de Lam e de Portocarrero, um estilo antropofágico, um surrealismo quente, tropical, cubano, esbanjando talento e poesia.
Obra atormentada sejam elas surrealistas, abstratas, figurativas e até em autorretratos. Merece um museu só para ele.
Não sei se poderei ilustrar este texto. Não fiz fotos, esperando comprar o catálogo na livraria do museu. Mas o museu não tem catálogo porque Cuba não tem dinheiro para comprar nem papel higiênico. Pena! Bom Google aos interessados…
PS: Mas e se Jasper Johns pintasse a bandeira de Cuba?
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.