13 de dezembro de 2024
Colunistas Walter Navarro

Melhor que Rachadinha e Ozônio


Ontem, dia 6 de agosto de 2020, escrevendo sobre Beirute, confessei também que, há um mês, tinha começado um texto sobre a Itália, uns dois italianos: “Sobre a Itália, comecei escrever, parei, mas vou voltar”.
Voltei.
Voltei também para 1967, quando eu tinha cinco anos.
Nas primeiras linhas do prefácio de “A Menina Sem Estrela”, Ruy Castro me contou: “Em janeiro de 1967, Nelson Rodrigues estava a caminho dos 55 anos e não se sentia mais jovem a cada dia”.
Em 1967, o Brasil era tão mais inteligente; tinha tanta sorte e Futuro que, um Einstein como Nelson podia escrever em dois, três jornais, diferentes e concorrentes.
O dilema de Nelson era o ressentimento contra o jornal onde escrevia suas pérolas, O Globo. O jornal defendeu o imbecil ministro da Justiça que proibira o recém lançado romance de Nelson, “O Casamento”, por causa da “torpeza das cenas descritas”.
OK! Nelson não é para fracos, nem principiantes. O livro – e o filme de Arnaldo Jabor, anos depois – são realmente “picantes”. Mas, torpe, torpe mesmo é a Censura; invejável e eterna como a Pedra da Gávea e a Burrice, como perfeitamente definiu o próprio Nelson.
Nelson, como todo jornalista, até hoje, dependia da grana do jornal e da TV Globo. A solução encontrada foi ficar onde estava, mas, no “Correio da Manhã”, abrir outra frente, completamente diferente: as “Memórias de Nelson Rodrigues”.
Nas memórias imemoriais de Nelson temos até seu testemunho sobre algo muito atual e que já tem mais de 100 anos: A Gripe Espanhola.
Estudiosos de Nelson, como Sábato Magaldi, Lino Grünewald e o próprio Ruy Castro consideram as memórias “a maior coisa que Nelson Escreveu”. O amigo e sábio, Otto Lara Resende, o “mineiro que só é solidário no câncer”, classificou a obra como “umas das mais belas páginas da língua portuguesa”.
Eu também.
Por isso, em 11 de julho de 2020, eu estava e continuo a caminho dos 58 anos e não me sinto mais jovem a cada dia. Por isso retomo as linhas a seguir, quase um mês depois.
Desconfio que começo a dedilhar minhas memórias. Mesmo porque, ninguém pode fazer isso por mim. E mais. Existem duas maneiras de fazer uma coisa: a minha e a certa. E as duas são a mesma coisa.
Não é só a vida que vem em ondas como o mar. A memória também. Perguntem ao Pedro, que não é Navarro, mas é Nava. Perguntem ao Léo Ferré, que compôs um monumento chamado “La Mémoire et la Mer”.
Por falar em oceano, uma propaganda dos anos 70 brincava: O mar, em francês, é “A mar” (La mer). Por que não em português? Bonito.
Desde ontem a Itália vem a mim, como ondas. Culpa do amigo Marcelo Klysch que, no Facebook, deitou elogios a um show do italiano Vasco Rossi, de quem nunca tinha ouvido falar mais gordo. Ou magro!
Curioso como um gato em teto de zinco quente, fui lá conferir o “filme”. Filme porque o vídeo tem mais de três horas de duração, entre o show e entrevistas (elogios).
Plateia digna de Rolling Stones. 220 mil pessoas, em Módena, 2017, quando 220 mil almas, principalmente corpos, podiam dividir o mesmo espaço, ao mesmo tempo. O cara é bom, mas preciso de um tempo. Melhor, ele precisa, pra cair no meu gosto.
Certamente é mentira e exagero, mas confesso que meu italiano é menor que a honestidade de Lula e seus asseclas. Passei maus bocados em minhas últimas investidas na Itália, em 2012 (Toscana) e 2014 (Roma).
Lembrem me, ou não, de contar o dia em que passei meus 50 anos, em quatro cidades da Itália, dia 9 de outubro de 2012. Acordei em San Gimignano, passamos (eu e o casal Dulce e Fábio Campos) em Pisa e Lucca, dormimos em Milão.
Mesmo assim …
Pronto, foi aí que parei o texto, dia 11 de julho de 2020. Nem sei o que era mesmo assim …
Mesmo assim, vou continuar, agora, hoje, 7 de agosto de 2020.
Lembrei! Mesmo assim, sem falar e entender italiano – vergonha que ainda posso corrigir – no vídeo do Vasco Rossi, em uma das inúmeras entrevistas deu para captar que falavam de outro ídolo da música italiana, Lucio Dalla. Este conheço e muito bem.
Entendi também o pior. Estavam falando de Lucio Dalla no passado e com saudade.
Lucio Dalla morreu dia 1º de março do mesmo 2012 e eu não sabia. Mesmo começando minha viagem sete meses depois, por Bolonha, onde ele nasceu.
Para mim foi como se ele tivesse morrido neste 11 de julho de 2020.
Mas como conheci Lucio Dalla? Eis a questão! Que venham as memórias!
Até Nelson Rodrigues, que nunca ouviu falar de mim, sabe que morei em Campinas, de 1970 a 1984.
Eu e minha irmã Nívea fizemos o segundo grau no ótimo colégio Notre Dame, onde muitos alunos eram filhos de estrangeiros. Campinas é uma cidade lotada de indústrias, muitas multinacionais. Daí…
O segundo grau era dividido em três áreas: Exatas, Humanas e Biológicas.
O idiota aqui foi para Humanas e sifu! Virou jornalista. Minha irmã foi para Biológicas e vive muito bem como a ótima enfermeira que é.
Um colega dela, que optou pela Medicina, Paulo Heinrich, era grande amigo meu.
Grande em todos os sentidos porque era o típico alemão: alto, forte, olhos azuis, louro. Mesmo assim, não era um cara bonito e ganhou o apelido, muito original, de Paulão.
Mais ou menos em 1982, minha irmã estudava Enfermagem em Juiz de Fora; eu, História na Unicamp e Paulão, Medicina, se não em Campinas, São Paulo, capital.
Vou resumir.
Paulão sumiu!
Uns dois ou seis anos depois, reapareceu. Eu estudava em Belo Horizonte, mas ele veio nos visitar em Barbacena.
Em agradáveis, longas e bem regadas tertúlias, contou-me que, antes de terminar o curso de Medicina, resolveu aproveitar a vida e viajar pois, depois, ficaria difícil, raro ou impossível.
Vendeu o carro velho que tinha e foi para Londres viver vida de imigrante brasileiro, pintando paredes, por exemplo.
Numa bela tarde, flanando, foi abordado por um sujeito ainda maior que ele que, papo vem, papo vai, convenceu Paulão a se alistar, pasmem! Na Legião Estrangeira…
Vocês sabem o que é a Legião Estrangeira? É exatamente o contrário da Legião Urbana.
Só o treinamento, pior que o do “Tropa de Elite”, elimina a maioria dos candidatos.
Eu poderia escrever páginas sobre a Legião Estrangeira, mas…
A Legião Estrangeira é onde os fracos não tem vez, é guerra. É o último refúgio dos fugitivos, de quem tem nada a perder.
Será que Paulão inventou esta história para eu contar quase 40 anos depois? Jamais saberemos porque ele morreu, logo depois, num acidente idiota e de trânsito, em Campinas.
Vou contar só final. Soube, por um companheiro que já tinha lutado em Honduras que, no dia seguinte ele e sua legião invadiriam um país africano, naquelas condições de filme de Rambo.
Fugiram boiando em toras de madeira, ao lado de crocodilos no Rio Nilo!
Depois de outras peripécias, conseguiu voltar a Europa e de lá para o Brasil.
De presente, me deu uma fita cassete que comprou na Itália, os maiores sucessos de Lucio Dalla.
PS: Vejam bem. Melhor que uma linda rachadinha eu duvido, mas qualquer coisa é bem melhor que ozônio e pimenta no terceiro olho. Até mesmo esta crônica, brilho eterno de uma mente ainda com lembranças sem fim.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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