3 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Em busca do Tom Perdido

Hoje, 25 de janeiro de 2023, dia de pagar meu condomínio e aniversário de Tom Jobim, mais que nunca, é tempo de procurar Tom, o tempo e a delicadeza perdidos.
Em seu 96º aniversário, não sei mais o que escrever sobre Tom Jobim. Há anos, todo ano, o ano inteiro faço isso, uma Inútil Paisagem, na época de todas as brutalidades e decadências.
Uma coisa dá pra repetir. É no mínimo ironia, Tom, o mais carioca dos brasileiros, nascer no aniversário de São Paulo.
Meu pai, Walter, nasceu em 1923 e, no próximo dia 18 de julho, completaria um século. Mas morreu aos 77, em 2001. Tom tinha idade para ser meu pai. Nasceu em 1927 e morreu dia 8 de dezembro de 1994, em Nova York, aos 67, com quase a mesma idade do amigo e parceiro, Vinicius de Moraes, 14 anos antes, 1980, num dia 9 de julho, aos 66. Vivam o whisky, cigarros, charutos, amores, grande arte e vida breve.
Brincando com os números, Tom Jobim morreu no mesmo dia 8 de dezembro e na mesma cidade que John Lennon. E John, que nasceu dia 9 de outubro, meu aniversário; morreu no mesmo ano que Vinicius, nascido 10 anos antes do meu pai.
Saindo da brincadeira, não quero morrer tão jovem como meu pai, Tom e Vinicius, muito menos assassinado como John Lennon, ainda mais jovem, aos 40. Mesmo porque, no lucro, já tenho 60.
Mas hoje é o dia de Tom Jobim. E de São Paulo.
E fiz questão de acordar meditando com Tom Jobim, assim: “Quem acreditou no amor, no sorriso, na flor; então sonhou, sonhou e perdeu a paz. O amor, o sorriso e a flor
se transformam depressa demais. Quem, no coração abrigou a tristeza de ver tudo isto se perder e, na solidão, procurou um caminho e seguiu, já descrente de um dia feliz…”.
Esta letra, não é a cara do Tom e do Brasil sem amor, sorriso, flor e Tom Jobim?
Juro, eu só não tenho inveja de quem nasceu nos anos 20 porque, naquela época, a odontologia e a medicina não eram nenhuma Brastemp. Mesmo assim, em pleno Século 21 as pessoas continuam desdentadas e morrendo de câncer, como o próprio Tom Jobim. Morreu em Nova York, mas de câncer!
No mais, como deve ter sido fascinante ter 30 anos nos Anos Dourados do Rio de Janeiro!
Por exemplo, em 1956, o presidente do Brasil era Juscelino Kubitscheck, “JK, O Presidente Bossa Nova”, música inventada por Tom Jobim, Vinicius, João Gilberto, etc.
Tom Jobim foi a trilha sonora deste Brasil risonho, simpático e original como JK.
E em 2023, me pergunto onde, quando e como o Brasil perdeu sua delicadeza, seu tempo e espaço?
Quando John Lennon morreu, Beto Guedes, em “Canção do Novo Mundo”, perguntou: “Quem souber dizer a exata explicação, me diz como pode acontecer. Um simples canalha mata um rei, em menos de um segundo. Oh! Minha estrela amiga, porque você não fez a bala parar?”.
E no aniversário de Tom, sem estrelas intermediárias, pergunto a Deus: Meu amigo, por que você não fez o tempo parar, em 1956? Quer dizer, 1962, caso contrário eu não teria nascido para perguntar e muito menos responder.
Onde está o ladrão da Garota de Ipanema, do Corcovado, da Wave, das Águas de Março, da Insensatez, do Samba de Uma Nota Só? A reposta está em “Saudade do Brazil”, que não tem letra. Então, literalmente, “Chega de Saudade”.
Tom Jobim nunca se misturou com nossa podre política, em compensação, fez política, defendendo a “Aquarela do Brasil”, como nosso primeiro ecologista e tendo como musa, a natureza.
Tom explicou o Brasil em poucas e definitivas frases: “O Brasil não é para principiantes” ou “Assim como o brasileiro foi educado para perder, o americano foi educado para ganhar”.
E quando lhe quando lhe perguntaram por que sempre voltava ao Brasil, quando podia viver feliz nos Estados Unidos, respondeu: “Volto para me aporrinhar. Para responder a esse tipo de pergunta. Para ser um dos 5% de brasileiros que pagam imposto de renda. Para perder o apetite ou morrer de indigestão. Volto porque nunca saí daqui”.
E quando voltava, segurando um copo de whisky, ensinava: “O Brasil é de cabeça para baixo, é só olhar no mapa e ver aquela coisa enorme, tentando se equilibrar numa pontinha fina – o Chuí. E, se você disser que é de cabeça para baixo, eles o põem de cabeça para baixo, para você ver que está de cabeça para cima”.

Com um charuto na outra mão e cara de Villa-Lobos, vaticinou: “No Brasil, tudo se estraga fácil, mais depressa do que qualquer fruta: pode às vezes passar logo do promissor para o podre, sem chegar a amadurecer”.

Fez um desabafo eternamente válido, “No Brasil, sucesso é ofensa pessoal” e profetizou: “Toda a música é reflexo de uma época”.
Idolatradas e amigos, qual a música do Brasil, hoje?

PS: “Viver no exterior é bom, mas é uma merda. Viver no Brasil é uma merda, mas é bom…”. Era!

Walter Navarro, Rio de Janeiro, 25 de Janeiro de 2023

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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