9 de maio de 2024
Colunistas Joseph Agamol

Eu nunca tirei uma foto na Ipiranga com a avenida São João

Foto: Google Imagens – Estadão

Lá se vão uns 15 anos desde que fui a Sampa pela primeira vez.

Sou o tal carioca da gema – mas sempre me senti inteiramente em desacordo com minha cidade: não suporto calor, não sou fã de praia (a não ser que seja como aquela que aparece na cena final de Planeta dos Macacos, com Charlton Heston cavalgando pela areia até dar de cara com a Estátua da Liberdade semi-enterrada na areia, que droga) e abomino o carnaval.

Então. Em fevereiro de 2009 eu já começava a exibir os sinais de inquietação que me acometiam à aproximação do chamado “tríduo momesco”: nevralgias, ranger de dentes e irritação profunda à mera menção da palavra “folião”. Dei tratos à bola – pena que ninguém usa mais essa expressão, “dar tratos à bola”, era corriqueira nos gibis do Huguinho, Zezinho e Luisinho desenhados por Carl Barks – e decidi:

– ops! Não dizem que o pior Carnaval do Brasil é em Sampa? Vou pra lá!

E, se bem o disse, melhor o fiz (ok, chega de expressões de antanho nesse texto e … o quê? “Antanho” também é de antanho? Ah, vá…): fui até a Rodoviária Novo Rio e comprei passagem pela viação 1001 – fácil, fácil. O acerto da minha decisão parecia se revelar até na ausência de filas: NINGUÉM queria ir do Rio para Sampa no carnaval. Inclusive, não sei se era impressão minha, viu, mas penso ter detectado um olhar zombeteiro da moça do guichê ao me atender, tipo pensando assim: “carioca indo à Sampa no Carnaval? Deve ser bandido ou maluco…”

E assim foi – e fui. Peguei minha mochilinha, o lanche que a 1001 oferecia para a viagem de seis horas, me acomodei no fundão do ônibus vazio – à distância segura dos outros humanos – e parti.

Em 2009, Sampa era o refúgio mais seguro para quem tem alergia à Carnaval: perambulei pelas ruas do Centro histórico, visitei shoppings, andei no eficiente metrô sampista para cima e pra baixo e – ô alegria! – não vi NEM UM CONFETE no chão! Zero decorações carnavalescas! Nada de piratas, tirolesas, colombinas…

E só esqueci de tirar foto no cruzamento da Ipiranga com a São João.

Desnecessário dizer que amei a experiência de estar no lugar do mundo onde menos se comemorava a – argh! – folia e voltei.

Até que – sempre tem um “até que”, não? – uma praga que já havia criado raízes no Rio estendeu seus tentáculos malfazejos até Sampa: um belo dia li em um jornal que o Monobloco ia “fazer” um dia de Carnaval em São Paulo. Pensei com meus botões: acabou. It’s all over now, Baby Blue, como diria Dylan em sua linda e melancólica canção.

E não deu outra: um após um, os blocos do Rio foram aportando em São Paulo. Aqui, all along the watchtower (ok, chega de citar Bob Dylan) no meu interior de São Paulo, acompanho as notícias sobre os tumultos no metrô, as multidões nas ruas, e me entristeço. Mais uma linha foi rompida, mais uma ponte dinamitada, mais uma torre vencida.

E eu não tirei a foto no cruzamento da Ipiranga com a São João.

Joseph Agamol

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

Professor e historiador como profissão - mas um cara que escreve com (o) paixão.

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