Tem um adesivo em minha mesa de trabalho, com o título “Cada Coisa em seu Lugar”.
É um adesivo ensinando a reciclar lixo. Antes, ensina a triar, separar o lixo, em três. Por mim, eu separaria em quatro, cinco, mil tipos.
Bom, mas o adesivo rima com minha lixeira e seus três compartimentos para papel, reciclável e não reciclável.
Sempre no adesivo aprendi que o papel é quase 100% reciclável, com exceção de papel toalha, carbono (alguém ainda usa?), lenço de papel e guardanapo. Claro, tirando o carbono, vá saber onde entraram e o que limparam estes lenços, toalhas e guardanapos…
A lei de escoteiro e de quartel, “Cada Coisa em seu Lugar”, me lembrou o livro de Jorge Amado e o filme baseado nele, “Dona Flor e seus Dois Maridos” (1976) de Bruno Barreto.
No filme não sei porque, eu e milhões, estávamos mais interessados em ver a Sônia Braga no esplendor de sua nudez.
Mas no livro, ainda mais erótico e picante, lembro-me muito bem da frase, “Um Lugar para Cada Coisa, Cada coisa em seu Lugar”.
Era o lema de vida do segundo marido de D. Flor (Sônia Braga), o farmacêutico, cheio de ordem, manias e frescuras, Teodoro Madureira (Mauro Mendonça).
O primeiro marido, Vadinho (José Wilker), morre logo no início, mas vive aparecendo e reaparecendo para tirar a roupa de D. Flor e a própria D. Flor do sério.
Vadinho era o exato oposto de Teodoro: malandro, mulherengo, alcoólatra, vagabundo, canalha, violento, boêmio; em suma, o tipo de homem que enlouquece e seduz as mulheres.
Claro que hoje é quase um crime falar o que acabei d escrever, mas é a pura verdade. Vá entender as mulheres, divertem-se com os errados, enquanto não acham o homem certo de suas vidas, aqueles que lhes oferecem segurança e muuuuuuuuuuuuuuito tédio, a começar na cama.
Bom, então, enquanto Teodoro pregava “Um Lugar para Cada Coisa, Cada coisa em seu Lugar”, Vadinho despregava e desbotoava, botando aquela coisa, em todos os lugares de D. Flor.
E assim, volto à minha tripla lata de lixo. Sabiam que espiral, grampo e até tubo de pasta dental são recicláveis?
Mas enquanto o alumínio é 100% reciclável (sinônimo de nossa miséria que é sinônimo de catadores de latinhas), os grandes vilões da natureza continuam sendo o plástico e o isopor que é um tipo de plástico. “Isopor e mil tipos de plástico são os piores inimigos do Meio Ambiente”.
Gosto do que escreve Letícia Maria Kleins, no Projeto Colabora, “projeto jornalístico que aposta na sustentabilidade muito além do meio ambiente”.
Aprecio também o pensamento vivo e reciclado de André Vilhena, diretor executivo do Compromisso Empresarial para Reciclagem (Cempre).
André Vilhena diz que as empresas devem desenvolver tecnologias para aumentar a reciclabilidade, reduzir a quantidade de embalagens. E que os governos precisam ampliar a coleta seletiva e trabalhar pela conscientização da população.
Esta última estratégia, para mim, é a mais urgente. Porque, mais vilão que os plásticos é quem joga plásticos em rios que desaguam nos mares e oceanos.
Aqui entre nós, quem joga lixo no chão, corta árvore e entope águas com plástico deveria ser enviado a Marte, à Lua ou melhor, ao Sol!
Rodrigo Sabatini, presidente do Instituto Lixo Zero Brasil, prova que boas ideias e gente inteligente não faltam: “O problema é a logística reversa desses resíduos. Precisa de um caminhão, que é o tamanho mínimo por lote que a indústria aceita, e também capacidade para reunir os resíduos para encher um caminhão rumo à reciclagem. Quanto menor a cidade e mais longe de grandes centros urbanos, mais difícil é a existência da coleta seletiva desses resíduos”. A tecnologia existe, para combater os indecentes lixões.
Em minhas idas e vindas sobre o mesmo tema, gostaria de voltar sobre o estranho mundo do isopor que é reciclável, mas muitos humanos não sabem o que fazer na hora do descarte.
Vejam que nome lindo tem o isopor: poliestireno expandido ou EPS, na sigla em inglês. Repito: é um tipo de plástico e é reciclável. Vem do petróleo.
Agora, o mais interessante: o isopor é composto por 98% de ar e 2% de plástico – as “células” que juntas formam o isopor estão cheias de ar. Como o copo vazio do Gilberto Gil lembrando “que o ar no copo ocupa o lugar do vinho, que o vinho busca ocupar o lugar da dor”.
Resumindo esta ópera bufa, reciclando tudo e principalmente o isopor, a gente recicla até o amor nos tempos do cólera e no lugar da dor.
Não esqueçamos que D. Flor era exímia cozinheira. E tinha nada de suflê de chuchu ou de isopor! Sua especialidade era o contrário, o mais tinha de mais gostoso, saboroso e suculento.
PS: Tanto que, a escola de culinária de D. Flor chamava-se “Sabor & Arte”, no que o tarado do Vadinho transformava em seus ouvidos: “Quero saborear-te…”.
Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.