19 de abril de 2024
Colunistas Walter Navarro

Criatividade, Preguiça ou Pegadinha de Deus

Nem os títulos do Flamengo me fizeram esquecer a “trágica e ridícula morte” de Gugu Liberato dia 22 de novembro.

Se ele estivesse vivo, eu escreveria o que acho dele como “um dos maiores comunicadores do Brasil”, sobre a “tragédia” de seu falecimento. Mas, por respeito e pena, fico quieto.

Não devo falar da vida, mas posso falar de sua morte. Repito: ridícula, ainda mais aos 60 anos de idade, com pelo menos mais 20 de muita vida boa pela frente.

Gugu caiu de uma altura de quatro metros quando tentava trocar o filtro do ar condicionado de sua casa em Orlando, na Flórida. Em vez de pisar na sustentação de madeira, não percebeu onde morava o perigo, pisou no gesso e pronto, desabou como se estivesse patinando em gelo fino. Caiu no chão da cozinha, bateu a cabeça, foice e foi-se.

Gugu, no mesmo dia em que caiu, tinha voltado da Ásia… O avião poderia ter caído, ele poderia ter sido devorado por um tigre. Não foi sequestrado, não pegou uma doença, nada. O sujeito volta da Ásia para morrer na própria cozinha de casa.

Bacana ele ter doado os órgãos para reciclagem. 50 pessoas terão uma nova vida com a morte dele.

Por falar em avião que cai, acho que quando Deus está com preguiça, de ressaca ou sem inspiração para cumprir sua meta de trabalho que, além de fazer nascer, também mata; ele causa furacões, desperta vulcões, cria enchentes, tsunamis, incêndios. Derruba voos lotados e afunda navios, desde antes do Titanic.

Mesmo quando isso acontece, muita gente se salva, escapa com aquela desculpa esfarrapada: “não era a hora deles, a minha, a nossa…”.

E quando o infeliz morre de acidente aéreo sem estar no avião? Este ainda é mais azarado.

Vítimas de “acidentes” aéreos, no solo, são comuns. Osama bin Laden que o diga!

Lembram do avião Fokker 100 da TAM, que matou 99 pessoas, em 1996, saindo de Congonhas, São Paulo, com destino ao Rio? Morreram 96 pessoas entre passageiros e tripulantes e mais três pessoas em terra.

Salvo engano, uma das três pessoas em terra, era um lavador de janelas cortado ao meio pela asa direita do avião. Isso é azar! O cara tinha dinheiro nem para ônibus e morre de acidente aéreo…

E os seis turistas brasileiros que morreram, este ano, em um apartamento de Santiago, Chile, envenenados por gás?

Um vazamento sem cheiro, frio, janelas fechadas; sentiram um mal-estar físico, pediram ajuda, não deu tempo. Quando a polícia chegou a família inteira estava morta.

Pior que estas mortes, para mim, é morrer de dengue, zika e chikungunya. Morrer, em pleno Século 20, de picada de mosquito. Morrer de febre amarela, malária.

Morrer, no Brasil, de bala perdida ou porque metade da população não tem água e esgoto em casa.

Mas aí, ontem, eu estava numa fila imortal e interminável, na Cidade Administrativa, mais ou menos em Belo Horizonte, quando um cara, na minha frente, comentou com uma mulher ainda mais à minha frente, que sua esposa estava horrorizada com o “turista que morreu ao tentar fazer uma selfie em Machu Picchu, Peru”.

Confesso que até ri. Mil perdões. Mas, isso sim é mais ridículo que cair do sótão na cozinha; muito mais que gente azarada “morrendo por acaso, por azar ou falta de sorte”. Morrer tentando fazer uma selfie.

Claro, procurei e achei: “Um turista alemão morreu após cair de um precipício quando tentava tirar uma selfie em Machu Picchu, Peru. O homem, Oliver Pats, de 51 anos, quis fotografar de fora do cordão de segurança em uma das colinas. Não calculou bem o espaço até a borda do abismo e perdeu o equilíbrio, caindo de um penhasco de cerca de 100 metros.

O pior é que Oliver não está só. Mortes por selfie estão em alta: de três casos, para 93 em seis anos. A busca por selfies perigosas já matou 259 pessoas entre 2011 e 2017, revelou um novo estudo, mas os autores da pesquisa acreditam que esse número pode ser ainda maior.

Afogamento, acidentes de transporte e quedas foram as causas mais comuns. Também foram frequentes eletrocuções e mortes causadas por incêndio, animais e armas de fogo.

E mortes em montanhas, edifícios altos e lagos, onde muitas das mortes ocorreram? Selfies!

Três mortes em 2011. 98 em 2016 e 93 em 2017. O número pode ser maior, porque fazer uma selfie quase nunca é registrado como a causa da morte.

PS: pensando bem, Deus não precisa de criatividade para matar as pessoas. Elas conseguem isso muito bem, sozinhas.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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