3 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Burt Cassidy and the Sundance Kid

Bom, como ninguém escreveu o que ele merecia; vou tentar.

E como também não posso escrever sobre o dia 8 de janeiro de 2023; escrevo sobre o dia 8 de fevereiro de 2023.

Morreu Burt Bacharach, aos 94 anos, por incrível que pareça; mais novo que a Rainha Elizabeth II, aos 96.

Elizabeth, a quem devo algumas memórias, partiu também num dia 8, mas de setembro de 2022. Não escrevi porque eu tinha acabado de chegar daquele famoso e saudoso dia 7 de setembro, no Rio de Janeiro.

Burt Bacharach! Por onde começo? Pelo fim, claro. Morreu, onde deveria ter nascido, em Los Angeles. Sua música era mais que a cara, o corpo de Los Angeles, mais precisamente o corpo da “L.A. Woman”.

A primeira lembrança de Burt veio de mim mesmo.

Em meu último livro, “5Garrafas” (2021), que espero não seja o último, mas o mais recente, escrevi um diálogo entre dois amigos, em dois capítulos, páginas 116 e 119; o personagem principal, Rubens Heitor e Mário, no Rio de Janeiro.

O trecho aqui, claro, fora de contexto, não faz muito sentido.

Os dois colocavam a conversa em dia sobre as últimas e recentes viagens de Rubens, bebendo Champagne, falando de mulheres, da chuva, do bom tempo e de uma próxima viagem.

Rubens Heitor pegou a Ruinart e um charuto, recarregou seu Zippo e colocou Burt Bacharach na vitrola: “The moment I wake up/Before I put on my make-up/I say a little prayer for you…”.

– Que é isso?

– Prefere Stravinsky, que ouvi em Moscou? Música africana? Música de Zorba, O Grego? Ou aquelas chatices de adolescentes japonesas?

– Claro que não, mas puta merda, esta você desenterrou, este cara ainda é vivo?

– Deve ter uns 600 anos hoje.

– De onde tirou isso?

– Lembrei de Cedar Rapids…

– O que tem a ver? Ele nasceu lá?

– Não sei, tenho a mínima ideia, talvez em Fargo.

Mário pegou o celular e descobriu. Kansas! Burt Bacharach nasceu em Kansas City, 1928. E o melhor, estava vivo.

– Música de meter, né?

– Estamos precisando. Quer chamar duas amigas?

(…)

– Bem lembrado. Até que enfim uma gota de sensatez.

– Então tira esta música de chupar goiaba e coloca aí “Insensatez”, com Tom e Sting.

– Vou te aplicar o Lavilliers.

– Gosto é de Aznavour…

– Boa ideia, é mais música para Champagne, combina mais.

Interessante o sub ou o inconsciente! Num diálogo sem nexo, escrevi quase tudo o que sempre pensei sobre Burt Bacharach, que resumo em uma palavra: elegância!

A começar pelo nome. Burt, nem tanto, mas Bacharach lembra um de meus compositores favoritos, Bach, além de outro símbolo de bom gosto, os cristais franceses Baccarat, coisas de Louis XV.

Burt não é tão chique porque lembra o ogro Burt Reynolds. É nome de cowboy, lenhador; de “macho americano”, “homem de Marlboro”.

E não é que Burt Bacharach também tinha cara de homem de antigamente, de verdade? Nome que combina em tudo – virilidade, charme, beleza e elegância – com seus dois colegas do filme “Butch Cassidy and the Sundance Kid” (1969), Paul Newman e Robert Redford.

E quem não gosta da trilha sonora do filme, “Raindrops Keep Fallin’ on My Head”, de Burt Bacharach & Hal David, não gosta de cinema, de mulher linda (Katharine Ross) e de bicicleta.

E quem não gosta de música, cinema, mulher, Velho Oeste, tiros, assaltos a banco, bicicleta e Bolívia, não sei o que está fazendo nesta vida.

Mas voltemos ao inconsciente.

No diálogo de “5Garrafas”, como sempre, eu poderia ter sido mais Burt, mais elegante. Mas…

A música de Burt Bacharach não é “de meter”, mas também não é de “fazer amor”… É de transar, melhor assim?

É música de praia, mas praia da Califórnia, com mulheres da Califórnia.

É música, não de Champagne, mas de drinques coloridos, tequila e whisky.

Música de dançar e beijar. Música de smoking para vestidos decotados e dourados.

Música de Anos Dourados, para piano e orquestra; cordas, trompete. Música de namorar e viver “La Dolce Vita”.

E onde escrevi também que é “música de chupar goiaba”, leia-se “manga”, cereja, morango, pétalas; sem precisar desenhar, espero.

Tom Jobim também não entrou na conversa à toa. Burt Bacharach, guardadas as proporções, é o Tom Jobim dos Estados Unidos. “La Classe”!

Burt Bacharach é música de cinema e de fazer cinema. É música de por do sol e areia, ondas, mar, calor, como a de Tom.

E por falar em música boa de cinema, o francês Michel Legrand fez um belo elogio ao Brasil.

Ele disse que a grande diferença entre nosso ex-país e a França começa no aeroporto internacional do Rio.

Enquanto o Galeão virou Tom Jobim, um músico, um pianista como Burt; o de Paris continua levando o nome de um militar, uma general, Charles De Gaulle.

O que Legrand nunca saberá é o que virou o Brasil. Muito menos que os brasileiros nunca chamaram o Galeão de Tom Jobim. Isso, se souberem quem é Tom…

Mas fica aí a dica para o aeroporto de Los Angeles: “Burt Bacharach International Airport”.

Eu ainda estava catatônico com o terremoto na Turquia e na Síria, quando soube de Burt.

Fui procurar documentários sobre ele, só achei suas músicas, o que já é ótimo.

Quer dizer, achei uma pequena entrevista, muito idiota, claro, para o Amaury Jr. O que esperar de Amaury entrevistando um gênio? No mínimo, nada. Mas achei.

Primeiro, comprovei o “gentleman” Burt Bacharach. Amaury insinuou que, numa turnê no Brasil, há muitas décadas, quando ele ainda era “obscuro”, Burt teria “namorado” a atriz e cantora Marlene Dietrich…

Burt ficou em silêncio, logo depois olhou para Amaury com este tapa de luva e desprezo: “Isso não é pergunta que se faça, mas já que perguntou, não seria correto não responder. Então, para ser honesto, nunca a namorei”.

Amaury não sabia onde colocar a cara de botox – já em 2009 – quando Burt tinha 80, continuava bonito e… elegante.

Antes, o “entrevistador” conseguiu cometer mais uma pergunta idiota, desta feita, com final feliz: “Você é tido como perfeccionista, extremamente detalhista, escravo da simetria; isso é uma doença, uma coisa que o incomoda?”.

E Burt: “Não é um problema é só o jeito como escrevo. Sou muito cuidadoso. Porque eu acho que uma canção é muito curta. Quatro minutos e você tem que contar a história toda. Você não pode permitir que um minuto seja chato; ou não tão bom quanto os outros três minutos”.

A tortura de Amaury durou 26m55.

PS: Burt, um beijo pra você, na Elizabeth, no Tom e no Paul Newman. E obrigado por cada um dos quatro minutos de vida e arte que você continua me emprestando.

Walter Navarro, Kansas City, 14 de Fevereiro de 2023

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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