11 de setembro de 2025
Cinema

Grace e Frankie – A Primeira Temporada

De: Marta Kauffman & Howard J. Morris, criadores, roteiristas, EUA, 2015

(Disponível na Netflix em 1/2025.)

É preciso registrar, antes de mais nada, que Grace e Frankie foi um espetacular sucesso. A série cômica com Jane Fonda e Lily Tomlin teve nada menos de sete temporadas, de 2015 a 2022, com 94 episódios de cerca de meia hora cada.

Recebeu 62 indicações a prêmios, inclusive a 13 Primetime Emmys, o principal da televisão norte-americana. Lily Tomlin foi indicada quatro vezes ao Emmy de melhor atriz em série cômica, e Jane Fonda, uma vez. Tanto Lily quanto Jane tiveram três indicações ao prêmio do Sindicato de Atores, o Screen Actors Guild Award. O Sindicato dos Roteiristas indicou os escritores da série em três das sete temporadas.

Um tremendo, espetacular sucesso – mesmo tendo como protagonistas quatro pessoas na faixa dos 70 anos, e não jovens. Mesmo falando abertissimamente de sexo, homossexualidade, drogas, mesmo tendo mais palavrão que piada de papagaio, em tudo por tudo com uma firme postura progressista, corajosa, avançada, mente aberta, nestes nossos tempos em que o conservadorismo parece querer nos levar de volta às sombras da Idade Média.

Não é pouca coisa, não. De jeito nenhum. Grace e Frankie é uma sitcom que merece respeito.

No começo do primeiro episódio, a bomba atômica

Sitcom. Fiquei pensando neste termo, enquanto víamos a primeira temporada da série, a lançada em 2015, um ano antes da primeira eleição daquele criminoso laranja arquiconservador para a Presidência dos Estados Unidos.

Sitcom – situation comedy. “Uma forma popular de show humorístico de televisão ou rádio, tendo tipicamente um número de personagens padrão que aparecem em diferentes histórias a cada semana”, segundo a definição do Dictionary of English Language and Culture da Longman.

Comédia de situação. Essa expressão não se usa na Última Flor do Lácio, inculta e bela, mas tudo bem – a situação da comédia criada pela imaginação de Marta Kauffman & Howard J. Morris é apresentada todinha, bem rapidamente, logo no primeiro dos 13 episódios deste Primeira Temporada, o primeiro dos que viriam a ser 94 episódios no total.

Robert Hanson e Sol Bergstein (os papéis de Martin Sheen e Sam Waterston) são dois advogados, velhos amigos, sócios de um escritório bem sucedido. Os dois convidam suas mulheres, respectivamente Frankie e Grace do título da série (Lily Tomlin e Jane Fonda), para um jantar em um belo, concorrido restaurante.

As duas chegam primeiro, antes dos maridos. A sequência do jantar é a abertura do primeiro episódio, o iniciozinho da série.

Chegam Sol e Robert – e anunciam às suas esposas que vão se separar delas. Têm um caso faz 20 anos, e agora, finalmente, querem morar juntos e se casar.

Marta Kauffman & Howard J. Morris, criadores, roteiristas, produtores, não deixam por menos: nos primeiros minutos de Grace and Frankie eles já lançam a bomba atômica. De cara. De imediato.

Passado o primeiro choque, tem que vir o segundo: contar a novidade para os filhos de cada casal.

Grace e Robert têm duas filhas, Mallory e Brianna (Brooklyn Decker e June Diane Raphael). Frankie e Sol têm dois filhos, Coyote e Nwabudike (Ethan Embry e Baron Vaughn). São, todos os quatro, adultos, é claro – afinal, seus pais já passaram dos 70 anos.

Todo fim de casamento, toda separação é necessariamente traumática. (Eu sei bem disso: passei por duas.) Agora, é preciso admitir… Duas separações que vêm juntas, e porque o motivo da separação está dentro de dois casais de amigos, e porque dois dos quatro resolveram – depois de velhos – assumir que mudaram a opção sexual… Bem… Aí, meu, aí é foda…

Ou, dito de maneira menos escrachada: aí é Grace e Frankie.

Uma business-woman elegante e uma riponga maconheira

Uma das características básicas da “comédia de situação” bolada pela dupla Marta Kauffman & Howard J. Morris é que Grace e Frankie são duas mulheres de personalidades e de comportamento completamente diferentes.

A rigor, Grace e Frankie sequer eram propriamente amigas, antes da explosão da bomba atômica da revelação de seus maridos. Robert e Sol, sim, eram grandes amigos desde sempre, e as famílias eram próximas, os quatro filhos dos dois casais cresceram próximos. Dividiam a mesma casa na praia que compraram juntos. Mas as duas mulheres nunca haviam sido amigas de verdade.

Eram diferentes demais. Grace-Jane Fonda é uma mulher empreendedora, ativa no mundo dos negócios – havia criado uma indústria de cosméticos, de porte médio mas próspera. Exatamente como a atriz que a encarna, é uma mulher elegante, que dá imensa importância à aparência e ao vestuário chique;

Frankie-Lily Tomlin é uma velha hippie dos anos 60 e 70 que jamais abandonou os costumes, os ideais, os jeitos, as manias dos malucos-beleza do paz & amor & entendimento universal – inclusive as inseparáveis maconha e ioga. Como prova de que permanecia fiel aos ideais libertários, solidários, dá aulas de arte para ex-presidiários – a defesa da segunda chance, naturalmente, é algo caro aos sobreviventes da Era de Aquário, assim como aos progressistas de todas as colorações. Aliás, há um amigo caretão de Sol que sempre chamou Frankie de comunista…

Depois da revelação do caso entre os dois maridos, Grace se refugia na casa de praia, e suplica a Robert que aquela propriedade fique sendo apenas dela. Mas Frankie, que também se recusa a continuar na casa que era dela, igualmente procura refúgio na casa da praia.

A dificuldade de convivência entre as duas mulheres quase antípodas sob o mesmo teto é um dos pontos fundamentais – e mais engraçados –

da trama dos 13 episódios desta Primeira Temporada.

É claro, é lógico, é óbvio que, com o passar do tempo, a business-woman elegante, de aparência careta, e a riponga maconheira pela primeira vez na vida vão ficar amigas.

No penúltimo episódio desta temporada (ou será no antepenúltimo? Já não tenho mais certeza, mas não importa), haverá algumas sequências deliciosas, em que Frankie veste Grace com suas roupas e produz seu look na outra – e vice-versa – e saem as duas para a noite. É uma maravilha.

Cada um dos quatro filhos tem seu próprio estilo

Os quatro jovens filhos dos dois casais também são personagens interessantes – e cada um é de um jeito, assim como Grace e Frankie.

Mallory é casada – com Mitch (Geoff Stults), um jovem médico – e mãe de dois filhos. Moça de família. Sua irmã Brianna é solteira, namoradeira, dadeira – e herdou da mãe o espírito empreendedor. A tal ponto que, alguns anos antes da época da revelação do caso dos dois maridos, Grace havia decidido passar para Brianna o bastão da indústria de cosméticos.

Do outro lado, Coyote e Nwabudike Bergstein. Pela escolha dos nomes já fica claro quão profundamente hippie era a mãe dos garotos. Desde sempre fica muito óbvio para o espectador que Nwabudike – ou simplesmente Bud, para todo mundo – é adotado, já que é negro. É o mais certinho dos dois irmãos: formou-se em Direito, e trabalha no escritório do pai, Sol, e do grande amigo dele, Robert.

Coyote tinha sido chegado a muita droga – cocaína, além da tranquila maconha – e muito booze, o termo genérico para os destilados, o que para nós é cachaça. Quando a ação começa, Coyote estava limpo havia quase um ano, depois de um acidente de carro que o fez ficar sem a carteira de motorista por um bom período.

No passado, havia tido uma grande paixão por Mallory.

Eu não conhecia nenhum dos quatro atores que interpretam os filhos de Grace e Frankie. Essa moça June Diane Raphael (à esquerda, na foto abaixo), que faz Brianna, me deixou impressionado. É uma mulher de presença forte; há momentos em que exibe grande beleza.

Vejo que é também roteirista; tem – incrível – 106 títulos no currículo como atriz, e também 12 como roteirista. Nascida em 1980, estava portanto com 25 anos em 2015, o ano desta Primeira Temporada de Grace e Frankie.

Houve polêmica sobre o salário das mulheres e dos homens

Exatamente no ano em que June Diane Raphael nasceu, 1980, Jane Fonda e Lily Tomlin trabalharam juntas, mais aquela outra delícia que é Dolly Parton, em uma comédia gostosíssima, suavemente subversiva, Nine to Five, no Brasil Como Eliminar Seu Chefe. Jane, Lily e Dolly interpretavam três amigas, colegas de trabalho em um escritório em Nova York cujo chefe era um insuportável machista, hipócrita, autoritário, interpretado por Dabney Coleman. (O ator, diferentemente de seu personagem, devia ser boa gente: Jane Fonda o escolheria no ano seguinte, 1981, para interpretar o namorado de sua personagem em Num Lago Dourado/On Golden Pond, o filme que ela produziu para dar um Oscar a seu pai, o grande Henry.

Quando conta sobre a origem de Como Eliminar Seu Chefe na sua autobiografia Minha Vida Até Agora, Jane Fonda diz que, após terminar O Cavaleiro Elétrico, foi ver Lily Tomlin em um teatro em Los Angeles no monólogo Appearing Nitely, de Jane Wagner: “Me apaixonei por essa mulher e seu talento notável e ímpar. Naquela noite, após a peça, dirigindo de volta para casa, liguei o rádio e Dolly Parton estava cantando ‘Two Doors Down’. Bingo! Lily. Dolly e Jane!”

As idades, as idades. Não consigo deixar de pensar nas idades. Em 2015, ano desta Primeira Temporada de Grace e Frankie, Jane Fonda, de 1937, estava com 78 anos. Lily Tomlin, de 1939, estava com 76. Tanto Sam Waterston quanto Martin Sheen são de 1940, e estavam portanto com 75.

Ahá. Uma curiosidade que acabo de ver neste momento: Lily Tomlin está casada no papel, desde 2013, com a escritora, dramaturga e roteirista Jane Wagner, autora daquele monólogo que Jane Fonda viu no final dos anos 1970…

Vejo ainda que Marta Kauffman, uma das duas criadoras da série, foi também co-criadora de Friends, essa que é uma das mais amadas sitcoms da História.

Há mais de 50 itens de informações e curiosidades na página de Trivia do IMDb sobre a série. Escolho uns poucos.

* Com seus 94 episódios, esta foi a mais longa série exibida pela Netflix. Bateu Orange Is the New Black por três episódios.

* Jane Fonda interpretou outra personagem chamada Grace, no filme Peace, Love & Misunderstanding (2011), no Brasil Paz, Amor e Muito Mais. Aquela Grace lá – como o próprio título do filme indica – era uma velha hippie, exatamente como o personagem de Lily Tomlin aqui.

* Os quatro atores principais receberam salários iguais – e isso criou uma polêmica. Questionada sobre a questão salarial, Lily Tomlin disse em uma entrevista: “O show não é Sol and Robert, é Grace and Frankie”. Depois disso, tanto Martin Sheen quanto Sam Waterston deram declarações defendendo que as duas atrizes deveriam receber mais que eles, já que seus papéis são mais importantes. Fãs da série chegaram a reunir 200 mil assinaturas protestando contra o que chamavam de injustiça.

A coisa chegou a tal ponto que Jane e Lily se sentiram no dever de divulgar uma nota sobre a questão: “Isso apenas nos faz lembrar de prestar atenção à forma com que as coisas aparecem nas entrevistas. Agradecemos ao apoio e à atenção de todos quanto a esta questão, mas a estrutura de Grace and Frankie é justa, e não poderíamos estar mais contentes por trabalhar para a Skydance (esse é o nome da produtora), a Netflix e o grande elenco deste show.”

E as duas ainda fizeram uma declaração ao site The Wrap dizendo que nunca estiveram descontentes com seus salários; tinham feito uma piada em uma entrevista, que havia sido tirada do contexto.

Curiosidade: uma canção de Chico Buarque!

E aqui vai uma curiosidade que não está no IMDb: no final do episódio 8 desta Primeira Temporada, toca uma música do Chico Buarque!

É uma sequência em que Grace-Jane Fonda coloca um disco de vinil para tocar, e pede para o sujeito que está namorando, Guy (o papel de Craig T. Nelson), para dançar com ela. Guy diz que não sabe dançar, mas Grace insiste, diz que vai guiá-lo.

O disco que ela pôs para tocar está com o volume baixinho. É uma voz suave, cantando em inglês – mas Mary e eu sacamos no ato que era uma canção brasileira, e bastante conhecida. – “É do Chico!”, falei, uns centésimos de segundo antes de lembrar da voz de Chico cantando “Eu faço samba e amor até mais tarde / Não tenho a quem prestar satisfação”.

“Samba e Amor”… Tinha esquecido de que disco é a música. É do Chico Buarque de Hollanda nº 4, o de 1970, o primeiro pela Philips. Caetano gravou no Qualquer Coisa, de 1975. A Nara faria uma bela gravação em 1980, em Com Açúcar, Com Afeto, o disco dela só com canções de Chico. E o próprio compositor faria nova gravação em 1995, no disco Uma Palavra.

Uma pesquisa da Mary levou ao nome de Tanya Donelly como a cantora que gravou a canção do Chico em inglês. Mas não consegui achar a música – até agora, pelo menos.

Bem, mas “Samba e Amor” é só um detalhe. Gostoso, mas um detalhe.

What about Grace and Frankie?

Devo dizer que a princípio não me derreti diante da série. Já sabia a base da trama, a coisa de os dois maridos logo de cara anunciarem que estão apaixonados – e, diacho, esse é um ponto de partida bem gostoso de uma série cômica, não há dúvida alguma.

Mas fomos indo, fomos indo… e, a partir da metade da Primeira Temporada, ali pelo episódio 8, passei a gostar cada vez mais. É forçoso reconhecer essa coisa de que falei no início do texto: é uma série corajosa, uma grande diversão com um forte tom progressista, avançado, em meio a estes tempos de apavorante avanço das forças das trevas. E, diabo, é uma boa série sobre seres humanos iguais ao eventual leitor e a mim, gente como a gente, e não é bandido ou personagem de quadrinhos. A ainda por cima pessoas comuns, “normais”, com mais de 70 anos!

Divertida, gostosa. Progressista, raridade por ser sobre gente como a gente, mais raridade ainda por ser sobre velhos. Muitíssimo bem realizada, bem interpretada, com esses ótimos e simpáticos atores! Precisa mais alguma coisa?

Grace and Frankie é uma ótima série.

Anotação em janeiro de 2025

Grace e Frankie/Grace and Frankie – A Primeira Temporada

De Marta Kauffman & Howard J. Morris, criadores, roteiristas, EUA, 2015

Direção Betty Thomas, Dean Parisot, Tim Kirkby, Miguel Arteta, Bryan Gordon, Dennie Gordon, Andrew McCarthy, Julie Anne Robinson, Matt Shakman, Tristram Shapeero, Tate Taylor, Scott Winant

Com Jane Fonda (Grace Hanson),

Lily Tomlin (Frankie Bergstein),

Sam Waterston (Sol Bergstein, o ex de Frankie),

Martin Sheen (Robert Hanson, o ex de Grace),

Brooklyn Decker (Mallory Hanson, filha de Grace e Robert), June Diane Raphael (Brianna Hanson, filha de Grace e Robert), Ethan Embry (Coyote Bergstein, filho de Frankie e Sol), Baron Vaughn (Nwabudike Bergstein, o Bud, filho de Frankie e Sol), Geoff Stults (Mitch, o marido de Mallory), Peter Cambor (Barry), Tim Bagley (Peter), Ernie Hudson (Jacob, que paquera Frankie), Brittany Ishibashi (Erica), Craig T. Nelson (Guy, o aventureiro), Michael Gross (Jeff), Daheli Hall (Wenda)

Argumento e roteiro Marta Kauffman & Howard J. Morris, criadores, David Budin, Brendan McCarthy, Julieanne Smolinski, Billy Finnegan, Alexa Junge, Nancy Fichman, Jennifer Hoppe, Jacquelyn Reingold

Fotografia Gale Tattersall

Música Sam Kaufman-Skloff, Michael Skloff

Montagem Sarah Lucky, Lisa Zeno Churgin, Michael Jablow

Casting Tracy Lilienfield

Desenho de produção Devorah Herbert

Figurinos Allyson B. Fanger

Produção Marta Kauffman, Howard J. Morris, Skydance Media.

Cor, cerca de 390 min (6h30)

Fonte: 50 anos de filmes

Sergio Vaz

Jornalista, ex-editor-executivo do Jornal O Estado de S. Paulo e apreciador de filmes e editor do site 50 anos de filmes.

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Jornalista, ex-editor-executivo do Jornal O Estado de S. Paulo e apreciador de filmes e editor do site 50 anos de filmes.

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