Havíamos planejado ter dois filhos e pronto.
O nascimento de André foi um sufoco. Morávamos em Salvador. Rebeca havia viajado um mês antes para parir no Recife aos cuidados da família. Eu viajaria em seguida. Aí a bolsa se rompeu antes da hora e ela foi obrigada a correr para a maternidade. Foi um parto de emergência.
Era uma sexta-feira à noite, 16 de julho de 1979. Não havia mais voos para o Recife. Em pânico, acompanhei tudo pelo telefone. No meu primeiro casamento perdera dois filhos por aborto espontâneo. E se perdesse mais um? E se jamais conseguisse ser pai? Tudo bem, eu era meio dramático, admito.
Minha mãe teve seis filhos. A mãe dela, 17. Uma irmã dela, 13. Outra, oito. Sempre vivi no meio de muita gente. E gosto disso. Por exemplo: gosto de fazer blog. Mas não gosto da natureza solitária do ofício de blogar. Somos eu, o computador e o telefone.
Conheci André quando ele tinha três ou quatro dias de nascido. Pedi a Rebeca que me deixasse a sós com ele no quarto do apartamento da minha sogra. Eu o olhava e tinha dificuldade de acreditar que fosse meu filho. Eu, pai? Pai??? Estava perplexo. Foi uma sensação estranha e ao mesmo tempo prazerosa.
É fato que a sensação se tornaria mais estranha ainda dali a uma semana, de madrugada. Eu lia um livro no terraço. André e Rebeca dormiam. Então comecei a ouvir, primeiro, o barulho ritmado de suaves palmas. Depois as palmas soaram mais fortes. E finalmente um grito pavoroso rasgou a noite:
– Meu Deus!!! Ele é surdo. Surdo!!! Meu filho é surdo!!!
Corri para o quarto. Antes de chegar lá, ouvi o choro de André. Ele não acordara para mamar na hora prevista. Rebeca tentou acordá-lo batendo palmas sobre o berço. Como a princípio nada aconteceu, ela se precipitou e concluiu que André era surdo.
Razoável, pois não. Hoje, André é músico, embora se queixe de um zumbido intermitente nos ouvidos. Deve ser mentira dele que gosta de inventar histórias. Mentira, não. Brincadeira, corrige Rebeca.
O nascimento de Gustavo foi moleza. Não infernizei a vida de Rebeca durante a gestação com medo de que ela abortasse. Morávamos em São Paulo. Gustavo foi o bebê mais bonito nascido na Pro-Mater no dia 3 de julho de 1981, segundo o testemunho unânime das enfermeiras. Fazia muito, muito frio.
Por descuido (santo descuido!), Rebeca engravidou pela terceira vez em 1983. Na época, ecografia ainda era um exame impreciso. Às vezes desvendava o segredo sobre o sexo do bebê, às vezes não. Mesmo assim o médico decidiu se arriscar e antecipou no oitavo mês de gravidez:
– Será uma menina.
– Não brinque, doutor – supliquei.
– Eu não costumo errar – ele respondeu confiante.
– Como o senhor sabe?
– Pela posição do bebê. Ele está com as perninhas abertas e…
– Está bem, está bem… Mas veja, doutor: tudo o que quero é uma menina. Conheço Rebeca muito bem. Se o senhor diz que será menina, ela sairá daqui direto para comprar um enxoval de menina. Não tenho dinheiro para comprar outro enxoval se nascer um menino. O senhor tem mesmo certeza?
– Certeza só quem tem é Deus. Mas será uma menina, sim.
De tão zonzo que fiquei quase fui atropelado ao atravessar a rua depois de sair do consultório.
Bingo! Nasceu Sofia, agora grávida de Luana. E eu apelidei o médico de “Mãe de dom Hélder”. Só me referia a ele como “Mãe de dom Hélder”.
Conta a lenda que a mãe de dom Hélder Câmara, ex-arcebispo de Olinda e Recife, era especialista em adivinhar o sexo dos bebês ainda na barriga das mães. Ela morava em Fortaleza. Sua casa vivia repleta de grávidas em busca de uma única resposta: menino ou menina?
A mãe de dom Hélder entrevistava cada mulher em separado. Perguntava se era sua primeira gravidez, quando engravidara, se tinha filhos, qual o sexo deles, e se queria menino ou menina. Por fim, acariciava a barriga da mulher, rezava em voz baixa para Nossa Senhora do Bom Parto e decretava:
– Será menino (ou menina).
Em uma grossa e puída caderneta de capa preta, anotava com sua letra miudinha o nome da mulher, a data da consulta e o vaticínio sobre o sexo do bebê.
É claro que ela só acertava metade das previsões.
As mães satisfeitas se encarregavam de propagar a fama de adivinha da mãe de dom Hélder. Mas algumas, frustradas, a procuravam para se queixar. Ela perguntava então o nome da mulher. Consultava a caderneta. E localizava ali o nome dela, a data da consulta e o vaticínio sobre o sexo.
Bingo! Acertara mais uma vez. A mulher é que ouvira errado.
Esperta, a mãe de dom Hélder. Espertíssima. Sempre registrava na caderneta o contrário do que dizia. Se dizia: “Menino”, anotava: “Menina”. Resultado: quando errava tinha como provar que acertara. E quando acertava não precisava provar nada.
Ao seu modo, a mãe de dom Hélder foi a precursora dos agora infalíveis exames que determinam o sexo dos bebês. Um de sangue, feito por Sofia com dois meses de gravidez, cravou que ela seria mãe de uma menina. Aos quatro meses, a ecografia deu o mesmo resultado.
(Até a semana passada, sem se curvar, Sofia ainda enxergava o umbigo. Agora, não enxerga mais. Isso quer dizer que a barriga dela desceu mais um pouco, segundo Rebeca, especialista em decifrar os sinais da natureza. E que Luana está prestes a chegar.
Quando digo a Rebeca que não estou nem um pouco ansioso, ela simplesmente não acredita. Mas não estou mesmo. De uma gravidez se espera que chegue a bom termo. Há muitas grávidas pelo mundo afora. Sofia é apenas mais uma. Há também muitos avôs por aí. Eu serei apenas mais um.)
Fonte: Blog do Noblat
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