Tivemos uma empregada chamada Dona Serafina. Não sei quantos anos ela tinha quando foi lá para casa. Preta idosa, super preta e, segundo ela, sua mãe foi escrava e parece que ela quase isso, mas já devia ter a Lei do Ventre Livre, enfim não sei ao certo.
Não falava uma palavra corretamente. Meu pai Guy, ela chamava de Seu José, eu era Vandinha, meu irmão, o mesmo Guy, era Guyu(*) e a única que ela acertava era a minha mãe Dona Maria.
Folgada até demais e a cozinha era dela. Nunca tirava folga, mas quando tirava era mais de mês. Seus pratos eram inigualáveis. Enfim, ela era da nossa família.
No apartamento abaixo do nosso vivia a família da xará dela, ou seja, Dona Serafina, mãe da Sonia Baptista Chaves e da Martha Baptista, mas ela a chamava de Dona Francelina. Não acertava nem o nome dela. Até que teve um dia em que ela contou uma história e disse “Vitória do Espírito Santo”. Minha mãe e minha tia pararam de respirar ao ouvirem essa pérola, rs.
Nessas horas eu lamento não ter vivido no tempo atual em que todos mundo é fotógrafo e cinegrafista. Teria tirado mil fotos dela e feito vídeos, mas não compartilharia os seus vexames linguísticos. Gostaria apenas de mostrar o quanto ela era linda aos meus olhos.
O que mais sinto saudade dela era do seu doce de banana e do esporro que ela me deu em um dia que fui desaforada com a minha mãe. Disse ela, obviamente com as palavras dela: “Vandinha, nem parece que você sentou no banco da ciência”.
Ela sabia que eu era estudiosa e boa aluna, mas banco da ciência foi um exagero gostoso, rsrsrs. Quanta saudade. Espero que ela tenha virado uma Preta Velha de Umbanda e que esteja me protegendo lá no outro mundo. Beijos Dona Serafina.
(*) Muitas pessoas que tiveram estudo simplesmente não conseguem falar GUY. Estranho, né?