29 de março de 2024
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A lista de compras

Fim de semana passado, comentando o despautério do STF exigir lanchinhos com o que há de mais fino e caro no mercado, escrevi duvidar que os ministros tivessem “berço e paladar” para identificar um champanhe produzido pelo método mais tradicional, o champenoise, ou saber se o vinho branco Chardonnay tinha tido, ou não, as uvas colhidas à mão.

Foi o bastante para a turma do mimimi, que anda sofrendo de síndrome persecutória, acusar-me de elitista. Uma chatice. Quando falei em berço não me referia aos milionários louros de olhos azuis, que os meus esquerdinhas preferidos culpam por todos os males do mundo. Referia-me aos povos que nascem na cultura milenar da produção e da degustação de vinho. Como em Portugal e vários países europeus. Aqui, não importa a classe social, as pessoas sabem beber. Degustar um vinho é tão natural que não passa na cabeça de um português se exibir só porque está usufruindo as delícias de uma bebida um pouco melhor.
Vou contar uma historinha para explicar o que quis dizer com “berço e paladar”.
Meses após chegar ao Porto, convidaram-me para assistir a prova do “vinho novo”. Ou seja, o vinho que ainda está na fase inicial da fermentação e cujas uvas haviam sido colhidas – sim, manualmente – há poucos meses. Para mim, o tal vinho novo não passava de um suco de uva com o charminho de já ter um pouco de álcool. Para os produtores – um advogado, um médico, dois professores, alguns agricultores simples e de poucas letras – o tal suquinho já sinalizava as qualidade que o vinho pronto apresentaria.
Um ritual bonito. Durante horas, provando um pouco de várias pipas, eles previram com quase 100% de acerto, o teor alcoólico, a acidez, o quão doce seria (ou não) a produção daquela safra. Também discutiram a quantidade de tanino, se dali sairia uma bebida encorpada e com bonita cor. Quando, dois ou três anos depois, o vinho foi para o mercado, tudo que aqueles homens, descendentes de séculos e séculos de produtores de vinho, haviam afirmado, concretizou-se.
Conhecer vinho é isso. É nascer nessa cultura, crescer vendo, escutando, provando, aprendendo. Ninguém se torna um especialista no assunto só porque virou ministro do STF.
Não quero radicalizar. Há brasileiros que conhecem vinho e conhecem bem. São poucos, mas existem. Eu, por exemplo, pertenço à categoria ignorante, jamais saberia dizer se as uvas de um Chardonnay foram ou não colhidas à mão. Aliás, sequer reconheceria um Chardonnay. E olha que, morando em Portugal, faço um curso intensivo de degustação há cinco anos.
Até pouco tempo, o bacalhau era tanto que se popularizou como comida de pobre e gerou um ditado luso, utilizado quando a visita não merece muita deferência: “para quem é, bacalhau basta”.
Não sei quem é o responsável pelas compras do Supremo. Mas, por favor, ignore a ridícula lista que pede caviar Beluga, lagostas poliglotas, escargot gros gris, manteiga produzida com o leite de vacas suíças premiadas, vinhos raros, ovos fritos com a assinatura Fabergé e compre refrigerantes e algumas latas de sardinha.
Os portugueses estão certos: para quem é, bacalhau basta.

O Boletim

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