19 de abril de 2024
Colunistas Sergio Vaz

Sue Lyon

A eterna Lolita seduziu toda uma geração – e transporta o escriba ao início da adolescência.

A morte de Sue Lyon me deixa absolutamente chocado por um fato que, afinal, eu deveria conhecer bem demais: estou muito velho.

Quando o Lolita de Stanley Kubrick estava para ser lançado, eu acompanhava com atenção as notícias. Via as fotos da garotinha, a achava linda de morrer, babava por ela.

Me impressionou tremendamente na época a informação de que – por não ter idade suficiente – Sue Lyon não pôde assistir, junto com Kubrick e os colegas de elenco, James Mason, Shelley Winters e Peter Sellers, à avant-première de gala do filme.

Que diabo: isso foi em 1962!

Daqui a pouquinho vai fazer 58 anos!

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Nascida em 10 de julho 1946, no Estado de Iowa, Sue Lyon tinha 14 anos quando se apresentou para fazer o teste para o papel da garotinha que enlouquece a cabeça do professor de meia-idade Humbert Humbert – que seria interpretado pelo grande James Mason.

Participaram dos testes 800 garotinhas. 800 lolitinhas. Foi a escolhida.

Não era alta, para os padrões americanos – tinha 1 metro e 60. Mas tinha o rosto lindo, iluminado por olhos de um azul belíssimo, e um corpo absolutamente perfeito, de endoidar frade de pedra, quanto mais qualquer sujeito de meia-idade como aquele criado pela imaginação do russo imigrado para os Estados Unidos Vladimir Nabokov (1899-1977).

O livro, lançado em 1955, bem no meio da década careta, conservadora, moralista, provocou arrepios nas ligas das senhoras religiosas, ao retratar a paixão de um “depravado” pela sua própria enteada de 12 aninhos. (HH, na verdade, casa-se com a mãe da garota só para ficar perto dela.) A notícia que de que o livro seria transformado em filme foi, à época, igualmente chocante.

Aos 14 anos – idade em que eu só estudava, e flanava, flanava, flanava, ia ao cinema sem parar, lia sobre filmes, conversava com os amigos, começava a beber cerveja –, Sue Lyon, com toda certeza diferentemente da maioria das 799 outras garotinhas que derrotou nos testes, já trabalhava. Tornou-se modelo ainda criança, na conhecida agência JC Penney. Em 1961, quando o filme estava em pré-produção, já havia posado para fotos, feito um comercial e até tido uma ponta no filme O Pimentinha/Dennis the Manace, de 1959.

Trabalhava por absoluta necessidade. A mãe, Sue Karr Lyon, tinha 44 anos e cinco filhos quando o marido morreu. Sue, a caçula, tinha apenas 10 meses. O dinheiro era curto, e, quando a família se mudou para Los Angeles, Sue mãe procurou aproveitar a beleza da filha mais nova para ajudar a pagar as contas.

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Lolita ajudou a consolidar a fama de Stanley Kubrick como um dos melhores realizadores em atividade naquele início dos anos 60. Já havia feito três filmes belos, fortes, importantes: O Grande Golpe/The Killing (1956), Glória Feita de Sangue/Paths of Glory (1957) e Spartacus (1960). (Há quem goste de A Morte Passou por Perto/The Killer’s Kiss, de 1955; pessoalmente, acho o filme apenas um exercício, coisa de quem estava aprendendo.)

Depois de Lolita, faria obra-prima atrás de obra-prima.

Já Sue Lyon, bem diferentemente, jamais voltaria a ter um papel tão importante, tão marcante quanto aquele do filme que não pôde ver na avant-première porque era jovem demais.

Pouco depois de Lolita, chegou a ter papéis em filmes com dois grandes diretores. Trabalhou sob a direção de John Huston em A Noite do Iguana (1964), ao lado de Richard Burton (com ela na foto abaixo), Ava Gardner e Deborah Kerr, e de John Ford em Sete Mulheres (1966), ao lado de Anne Bancroft. Em 1967, teve um papel em Tony Rome, um veículo para Frank Sinatra brilhar como um detetive particular.

Faria mais umas duas dezenas de filmes, nenhum deles muito importante – até que, em 1980, extremamente jovem, com apenas 34 anos, desistiu da profissão. Começou cedíssimo, parou cedíssimo.

Teve uma vida pessoal especialmente cheia, movimentada. Atravessou cinco casamentos, cinco divórcios. O primeiro casamento aconteceu quando tinha apenas 17 anos. Durou dois. O segundo foi com Roland Harrison, um fotógrafo e técnico negro – e o casal enfrentou a barra pesada do racismo, tendo até mesmo se mudado para a Espanha, para se livrar do preconceito forte dos americanos. A união não durou dois anos inteiros.

O terceiro casamento foi com Gary Adamson, um sujeito que estava na Penitenciária Estadual do Colorado condenado por assassinato e assalto. A partir do casamento, em 1973, Sue Lyon fez campanhas por reformas no sistema presidiário e pelo direito de visitas íntimas dos cônjuges. A união não chegou a durar dois anos inteiros.

Nos últimos anos, evitava entrevistas. Morreu em Los Angeles, no dia 26 de dezembro, aos 73 anos de idade.

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Estou há tempos para rever Lolita, para ter o filme no meu 50 Anos de Filmes; faz já alguns meses que o DVD está na sala, numa pilha de coisas a ver.

Mas, se faz 58 anos que lia sobre a garotinha escolhida para fazer o filme, a rigor teria que mudar o nome do site. No mínimo para 60 Anos de Filmes.

Fiquei aqui pensando onde raios aquele sujeito que eu fui em uma encadernação passada lia, aos 12 anos de idade, sobre filmes, sabia que Sue Lyon tinha sido escolhida para fazer Lolita, que Sue Lyon não pôde ver a avant-première. Aos 12 anos, morava com minha mãe e meus irmãos Arnaldo e Geraldo num apartamento na Serra, diante da Rua Ramalhete – sim, a da música de Tavito. Arnaldo, o mais velho, era o mantenedor, após a morte do meu pai. E, sim, tínhamos as revistas Manchete e O Cruzeiro, o jornal O Estado de Minas. Por influência da minha irmã Nilze, de vez em quando eu tinha até uma ou outra Cinelândia.

Meu Deus… Era outro mundo…

Sue Lyon me levou de volta para o início da adolescência…

O Boletim

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