20 de abril de 2024
Rodrigo Constantino

A imensa “coragem” dos black blocs e a decadência da nova esquerda

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É possível ser de esquerda e uma pessoa decente, culta. Não é fácil encontrar o tipo por aí, mas sei que deve existir, em algum recôndito lugar. E fico pensando o que essa esquerda acha daqueles idiotas brutos que falam em seu nome, que entoam bandeiras socialistas e marxistas da forma mais vulgar possível, que tomam a violência como substituta da falta de argumentos. É possível ser civilizado e esquerdista. Mas a nova esquerda não é civilizada.
Pensei nisso ao ler duas colunas na Folha hoje: a de Ruy Castro e a de Reinaldo Azevedo. Ruy Castro fala com ironia da grande coragem dos black blocs, esses revolucionários mimados, rebeldes sem causa, que só agem em bloco que é para suplantar a covardia individual. Diz ele:
Um traço do caráter dos black blocs é a coragem. Ela se manifesta na valentia com que dão aquelas voadoras e se atiram contra as portas das lojas. E no destemor com que quebram vidraças indefesas, ateiam fogo em sacos de lixo que não reagem e vandalizam pontos de ônibus que se atrevem a estar no seu caminho. Sempre em grupo, destroem caixas automáticos, viram carros e assaltam estabelecimentos. Por fim, sacam os sprays e assinam a lambança, pichando paredes, fachadas e monumentos com suas palavras de ordem. Imagino o orgasmo coletivo que tudo isso lhes dá.
As camisetas, máscaras e os óculos com que se disfarçam fazem parte dessa coragem. Destinam-se a impedir que as mães deles os reconheçam pela televisão e lhes cortem a mesada.
Como não rir, com um misto de pena? É exatamente isso! Esses bravos guerreiros morrem de medo da mamãe, da possibilidade de terem suas mesadas cortadas. São burguesinhos filhinhos de papai, mimados e entediados, que precisam se sentir os revolucionários em busca da justiça social. Seria cômico, não fosse tão trágico.
Ruy Castro compara esses jovens idiotas com os atletas paralímpicos, um show de superação, de determinação, força de vontade, daqueles que fazem do limão uma limonada. E conclui: “Cada uma de suas provas será uma vitória, não do corpo, mas do espírito humano. Em contrapartida, no pior dos pesadelos futuros, os black blocs podem até tomar o poder. Mas o ser humano terá irremediavelmente perdido”.
Já Reinaldo Azevedo resgata um desses esquerdistas cultos e civilizados que, apesar de defender ideias que julgamos totalmente equivocadas, ao menos tinha a dignidade de não enaltecer os moleques baderneiros que se acham revolucionários. Trata-se do italiano Pasolini, que Azevedo usa para desnudar ícones da nova esquerda patética, como o humorista Gregorio Duviver, o filósofo Vladimir Safatle e o baderneiro Guilherme Boulos. Diz o cineasta italiano:
“Sinto muito. A polêmica contra o PCI já tinha sido feita na primeira metade da década passada. Vocês estão atrasados, queridos. Pouco importa se vocês ainda não haviam nascido. Pior para vocês. Agora os jornalistas do mundo todo (inclusive os dos canais da televisão) ficam lambendo (como se diz na linguagem do baixo clero universitário) a bunda de vocês. Eu não, queridos! Vocês têm cara de filhinhos de papai. Eu os odeio como odeio seus pais (…). Vocês têm o mesmo olhar maligno. São medrosos, hesitantes, desesperados, mas sabem também ser prepotentes, chantagistas, convencidos, descarados – prerrogativas estas pequeno-burguesas, meus amigos”.
“Ontem, quando vocês lutavam com os policiais em Valle Giulia, eu me identificava com os policiais. Porque os policiais são filhos de gente pobre. Eles vêm das periferias rurais ou urbanas. Eu conheço muito bem o modo como foram meninos e rapazes, seus minguados tostões. Conheço o pai deles, que também nunca foi senhor de si, mas por causa da miséria, não da falta de altivez. Conheço a mãe, calejada como um carregador, ou magra como um passarinho por causa de alguma doença. E tantos irmãos; o casebre entre as árvores, em áreas invadidas; casa de cômodos onde há esgoto a céu aberto, ou apartamentos em grandes habitações populares.”
Ouch! De fato, nada mais asqueroso do que ver um mimadinho como Gregorio Duvivier falando em nome dos pobres, enquanto defende os igualmente mimadinhos vândalos dos black blocs contra os policiais, esses sim, trabalhadores pobres, mas honrados. É nojento ver um Safatle bancando o representante do povo, ou um bandido como Boulos, camarada de Lula, por sua vez o camarada dos empreiteiros, fingindo que luta pelas classes baixas.
A nova esquerda é lamentável. Não tem cultura, não tem estofo moral, bagagem intelectual, nada disso. São apenas uns mimadinhos covardes em busca de adrenalina, ainda que dentro de limites de segurança. Não aguentariam um só segundo enfrentando os fundamentalistas islâmicos, ou os soldados russos de Putin. Mas depredam tudo em São Paulo, em Porto Alegre, em Curitiba, no Rio, pois sabem que estão protegidos pela imprensa, pela própria polícia contida por receio dos governantes.
Querem brincar de revolucionários. Em Esquerda Caviar, comentei sobre o assunto:
Os “revolucionários” de Maio de 68 mostraram como uma turma rica e alienada pode ter necessidade de dar vazão à sua “pulsão de morte” destruindo as coisas em volta, atacando a própria riqueza que usufruem, mas desprezam. Querem ser os heróis dos “oprimidos” e injetar um pouco de adrenalina em suas vidas tediosamente confortáveis, porém vazias e fúteis. E querem apagar o passado de vergonha, como interpretou Nelson Rodrigues:
Eis o que me ocorreu: a França tem todo um potencial de heroísmo inédito, frustrado. Não fez a guerra, e repito: os outros lutaram por ela. Os alemães perfuraram Sedan e deslizaram em solo francês. E todo o povo, com atraso de vários anos, precisa sentir-se herói. Cada carro virado é um tanque alemão. Os franceses estão fazendo a guerra. Essa ferocidade tardia, espetacular, é uma vingança contra a capitulação.
O dramaturgo brasileiro ainda espetou os “revolucionários” daquela época: “Fazer greve na França é muito menos arriscado do que atravessar uma rua na Guanabara”. Os “heróis” da época clamavam por algumas cacetadas da polícia, e aqueles que eram presos temporariamente contavam vantagem sobre os demais. Era motivo de orgulho ostentar uma prisão, mas eles sabiam que, no fundo, não corriam risco real nesse sistema “repressor”.
Maurice Jouyex, revolucionário sindicalista dessa época, deu voz ao sentimento de muitos quando escreveu sobre sua experiência pouco tempo depois:
Para mim, militante revolucionário, era algo incompreensível: era de fato uma brincadeira, uma vontade de fazer qualquer coisa, a vontade de mandar à merda o pai, a mãe, o professor e os políticos.
E o manifestante atual, jogando pedras nos policiais e depredando patrimônio público, pensa que inventou a roda! Trata-se apenas de um farsesco revival desse clima revolucionário de outrora, quando vários jovens de classe média canalizavam para os protestos sua fúria da vida. Qualquer semelhança com as manifestações de junho no Brasil não é mera coincidência.
E essas “manifestações” estão de volta agora, com o aval dos “formadores de opinião” da esquerda. Agora, protestar contra o presidente não é mais “fascismo”, nem mesmo quando envolve quebra-quebra e coquetéis Molotov. Agora é prova de sentimento democrático e dar voz ao povo. Como são corajosos esses covardes!

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