Depois de sobreviver miraculosamente a doenças que seriam fatais, ele me disse na última vez que nos falamos, ainda se recuperando de uma pneumonia: “se eu não melhorar e tiver de Ir novamente para o Hospital, vão me entubar. E aí eu não volto“. E prometeu que se escapasse de mais essa, viria nos visitar com a Tereza.
Tereza Mainardi, Tomaz e eu esperamos que você venha para cumprir a metade da promessa. A casa é sua. E Enio contou também que tinha brigado com a Anna Maria De Andrade Sharp. Ele me disse que até chorou, porque amava a sua queridíssima amiga. Mas que tinham feito as pazes E estava feliz por isso.
E foi assim que aconteceu. Enio voltou para o hospital, foi entubado e entrou em coma, não recobrando a consciência. Ou estava consciente, mas não podia se comunicar. Ou não queria.
“Tinha chegado a hora de libertar a sua alma. Se ele não havia entendido nada, antes, por que haveria de entender agora?“, escreveu Enio sobre o velho Assef, personagem de seu livro “O Ordenador dos Sonhos”, ainda não publicado. Ele me mandou o livro por e-mail.
Enio sabia que em uma semana, ou menos, saberia se iria morrer ou não. Era o tempo que tinha para viver, se tudo desse errado. Como descreveu na penúltima página do livro inacabado, “Parece que tem alguém lá de cima que quer saber exatamente como vamos reagir, agora que conhecemos nossa data certa de morrer. É como alguém saber antecipadamente que um vulcão vai explodir, morando nas suas encostas, sem tempo para fugir”.
Volto para um parágrafo da terceira página — “Penso: Ordenador, eu não mereço, nem quero sobreviver. Peço só que não me deixe os olhos abertos quando tudo terminar“.
Os exames do vírus chinês que o Enio fez, deram negativos. Enio estava muito enfraquecido. Várias vezes esteve à beira da morte e voltou. Mas o momento da partida chega para cada um de nós, e é inevitável.
Numa crueldade explícita, publicam que o Enio morreu de COVID-19. É uma tentativa crudelíssima de transformar uma pessoa tão especial em mera estatística forjada e política. Jamais conseguirão. Mais um? Não. Cada vida é preciosa.
No livro, mais uma bela mensagem, que demonstra a generosidade do Enio. Ele sempre que pôde ajudou muita gente. Mesmo quem não merecia. Tinha um coração gigantesco.
O filho teve uma visão do pai.
“Viu então chegar o seu pai, sem surpresa. Ele estava sereno. Se aproximaram e o pai lhe fez entender, sem palavras ou gestos, do seu amor infinito, sem queixas, ou cobranças, nada sobre o passado. Só paz. Seu olhar dizia tudo diretamente para sua alma, em frases feitas de silêncio. Depois virou as costas e foi-se embora, seus passos não tocando no chão. Seguiam-no, respeitosos, os homens do funeral“.
Enio, estou muito triste. Não posso mais atender ao seu pedido. A sua morte me fez perder você de vista. A morte faz isso. Mas no meu coração, enquanto eu viver, você terá um lugar especial.
Vai com Deus meu amigo querido. Feliz dia dos pais.
Jornalista, fotógrafa e tradutora.