23 de abril de 2024
Ligia Cruz

Epidemia de abandono


Quando os excessos passam a ser regra no país, perde-se o equilíbrio nas relações entre os indivíduos, as instituições públicas e privadas.
Nem agentes públicos, empresários e cidadãos têm noção de limites em nossa sociedade. Parece que estamos sempre começando do zero. É o que temos acompanhado pela mídia em geral.
A quantidade de notícias falsas que tem povoado espaços noticiosos, postagens de pessoas comuns nas redes sociais é de estarrecer.
Desde notícias bem escritas, recheadas de argumentos críveis a absurdos inimagináveis, acontece de tudo. Mata-se figuras públicas, julga-se pessoas em circunstâncias inverossímeis e, de uma hora para outra, eu ou você podemos estar no olho do furacão.
Nem se trata de factóides criados por assessores políticos, estes pintados com as tintas da repercussão que se quer ter contra opositores. Mas de fatos inventados ou mal interpretados que podem manchar a idoneidade de alguém.
Recentemente tornou-se viral nas redes uma “denúncia” de que uma veterinária recusou-se a atender um cão de rua moribundo que veio a falecer.
O animal foi levado por uma pessoa que, em tese, o resgatou e bateu na porta do primeiro consultório pet da região em busca de ajuda. Ocorre que o cão estava em péssimas condições e necessitava de intervenção cirúrgica.
Para realizar o procedimento, a veterinária precisava de uma assinatura de consentimento e responsabilidade sobre os custos da resgatante. Diante da recusa de cumprir um protocolo simples, o tempo do animal acabou. Ele morreria nas ruas mesmo sem a “tentativa” de ajuda de qualquer pessoa.
O que aconteceu a partir daí foi o linchamento público da jovem veterinária, através das mídias sociais. Com nome citado, o fato contado do ponto de vista da resgatante, logo uma campanha difamatória ganhou vulto. O consultório perdeu credibilidade, clientes e a vida da profissional virou um caos.
Ninguém que ame animais e tenha os seus gosta de ver um cão sofrendo nas ruas. Mas não se pode terceirizar responsabilidades. Se alguém se presta ao papel de salvar um animal de rua, deve honrar o compromisso até o fim, com todas as implicações. De acompanhá-lo, ver suas necessidades, providenciar meios de arcar com medicamentos e procedimentos.
Não se trata só do que custaria o serviço, mas de compreender que veterinários não são corresponsáveis pela situação dos animais das ruas e não têm obrigação profissional de salvá-los. Cabe ao estado criar mecanismos de resgate e de penalização pelo abandono desde que constatado o responsável.
Só como exemplo, na cidade de São Paulo, há perto de 200 gatos vivendo no Parque da Aclimação. A partir daqueles que lá foram levados e abandonados por seus donos surgiram as famílias que cruzaram entre si. Hoje eles formam colônias e vivem em estado semi selvagem, alimentados por pessoas que vão lá diariamente para distribuir ração. Uma segurança do parque testemunhou que vez ou outra a zoonoses do bairro os resgata para castração, mas não soube dizer se são devolvidos ou colocados para doação.
Como se vê o cerne da questão é o abandono, a pior ação do ser humano contra os animais e até para com a própria espécie.
A veterinária, e não só ela, mas a maioria desses profissionais, se apieda da condição dos bichos, mas não podem resolver uma questão tão complexa como essa. Uma verdadeira epidemia de abandono, se pode-se dizer assim, tomou conta das grandes cidades.
Atos de covardia pura e simples.
Que a veterinária difamada consiga defender-se na justiça para resgatar sua dignidade e responsabilizar quem a prejudicou.

Ligia Maria Cruz

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

Jornalista, editora e assessora de imprensa. Especializada em transporte, logística e administração de crises na comunicação.

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