Dias Toffoli está no cargo porque prestou serviços a Lula e a seu partido – e, portanto, não poderia julgar nada que tivesse relação com qualquer dos dois
Dias Toffoli diz que não tem relação de intimidade com investigados e nunca recebeu nenhum pedido deles
(Carlos Humberto/SCO/STF/VEJA)
Entre tudo o que está torto no Brasil de hoje uma das coisas mais esquisitas, sem dúvida, é a facilidade que as pessoas mostram para conviver 24 horas por dia com todo o tipo de absurdo. Pense numa aberração qualquer: ela vai estar bem na sua frente. Talvez seja parecido em algum fundão da África, mas aqui deveria ser diferente. Afinal, o Brasil é um país metido a ser “sério”, não é mesmo? Temos “instituições”, política externa independente e Banco Central. Temos analistas políticos e comunicadores bem informados. Tivemos, até, um sociólogo como presidente da República. Mas qual o quê: quanto mais pose o Brasil faz, maiores e mais agressivos são os disparates que está disposto a aceitar. Não é preciso nenhum esforço para obter provas materiais, imediatas e indiscutíveis dessa degeneração. Daqui a pouco tempo, só para ficar num dos exemplos mais espetaculares de alucinação colocados à disposição do público no momento, o ministro Antonio Toffoli vai assumir a presidência do Supremo Tribunal Federal. Isso quer dizer o seguinte: o mais elevado tribunal de justiça do país está à beira de ser presidido por um cidadão que foi reprovado duas vezes – duas vezes, uma depois da outra – no concurso para juiz de direito. Pode uma coisa dessas? É claro que não pode, pelos fundamentos mais elementares da lógica comum e da sanidade mental exigida para a vida pública em qualquer nação do mundo. Seria como aceitar que 2 mais 2 são 22. Mas é exatamente isso, sem tirar nem por um milímetro de exagero, que estão fazendo você engolir.
Não é implicância. É apenas a observação banal dos fatos. Não dá para achar normal que um indivíduo considerado incompetente para ser juiz da comarca mais ordinária do interior, como ficou provado e comprovado nos dois exames em que levou bomba, possa ser um dos 11 juízes supremos do Brasil – ou pior ainda, ser o presidente de todos eles. Qual é a vantagem que a população poderia obter com a presença de um repetente desses no STF? Nenhum dos gigantes da nossa vida pública, que aceitam mansamente a presença de Toffoli na presidência do STF, conseguiria explicar porque raios uma aberração com este grau de grosseria deve ser imposta a 200 milhões de brasileiros. Não conseguem, simplesmente, porque nenhum ser humano consegue. Fica-se assim, então: Toffoli, pelos conhecimentos que demonstrou, não tem capacidade para ser juiz nem de um jogo de futebol, mas pode ser presidente do mais alto tribunal de justiça do país. Não perca o seu tempo tentando entender. É impossível entender.
Naturalmente, como diz a velha máxima popular italiana, não existe limite para o pior. Toffoli não apenas é uma nulidade em matéria de direito, segundo o parecer dos examinadores que julgaram duas vezes a sua aptidão profissional – é também um fenômeno de suspeição e parcialidade provavelmente sem similar no mundo civilizado. Foi nomeado para o STF pelo ex-presidente Lula depois de ter sido alto funcionário do seu governo e, antes disso, advogado do PT. Está no cargo exclusivamente porque prestou serviços a Lula e a seu partido — e, portanto, não poderia julgar nada que tivesse a menor relação com qualquer dos dois. Mas o que está acontecendo é justamente o contrário. Toffoli é um dos 11 juízes que a cada meia hora decidem mais um recurso dos advogados do ex-presidente, na tentativa permanente de anular sua condenação a 12 anos de cadeia por corrupção e lavagem de dinheiro. Vem aí, então, mais uma pergunta muito simples: você acredita que nessa hora de pressão máxima o ministro que deve tudo ao PT e a Lula vai esquecer os favores que recebeu e se comportar com a imparcialidade obrigatória de um magistrado? (Ninguém está pedindo que ele seja um rei Salomão. Basta que não se comporte como um despachante dos advogados do réu.) E se você realmente acredita nisso, poderia dar três motivos (ou dois, ou pelo menos um) capazes de explicar porque alguém como Toffoli merece tal fé?
O ministro Toffoli e quem o leva a sério, a começar pelos colegas que o chamam de excelência, pela mídia e pelo mundo oficial, insistem todos os dias em tratar o Brasil como um país de idiotas. Esse é o fato da vida real: todo o resto é conversa fiada. Não espere melhorias a curto prazo. Temos aí uns vinte candidatos a presidente da República, e eleições daqui a três meses. Nenhum deles, mas nenhum mesmo, abriu o bico até agora para dizer uma única palavra sobre o despropósito descrito acima. A única conclusão é que estão todos de acordo com essa queda livre na insensatez.
Publicado na edição impressa de VEJA
Fonte: Veja Abril Digital
José Roberto Guzzo, mais conhecido como J.R. Guzzo, é um jornalista brasileiro, colunista dos jornais O Estado de São Paulo, Gazeta do Povo e da Revista Oeste, publicação da qual integra também o conselho editorial.
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