O ano era 1980. Sentado no muro alto da escola, num dia de sol ainda suave no Rio de Janeiro, o garoto de 14 anos escrevia um poema para a menina amada. Na mente – porque dinheiro para um walkman Sony ou Aiwa não havia – ouvia em loop a mesma canção.
O garoto que escrevia o poema era eu, a escola era a Bahia, na avenida Brasil, em Bonsucesso, a menina-musa se chamava Maria e a canção que tocava sem parar na minha imaginação era “Toada”, do grupo Boca Livre.
Esses dias soube que o grupo se separou, por “divergências políticas e sanitárias”, segundo li. Não estranhei. Essa é a toada: o Brasil diverge, não é de hoje.
Em 1980, as pessoas divergiam, claro. Trilhavam caminhos diferentes. Mas havia, ainda, a possibilidade de convergência: as estradas podiam, afinal e ao final, formar uma só vereda. Confluir. As trilhas diferentes permitiam visões diferentes, que, ao fim e ao cabo, formavam o todo.
Hoje, quem abre um rumo no meio do mato ergue logo um muro. A estrada, que antes afluía, agregava, reunia, hoje desafasta. Renega. Segrega.
O complexo tecido social que foi sendo tecido por anônimos artesãos ao longo de toda a nossa história puxou um fio, se esgarçou, poeu, rompeu.
A estrada agora liga o nada a lugar nenhum. O pano rasgou. As vozes, que formavam um todo harmônico e filigranado, agora desafinam ou seguem solo.
O Brasil segue dividido.
O título completo da canção “Toada” é “Na direção do dia”. Tomara que as vozes, todas, cantem de novo em uníssono, e possamos seguir na “direção do dia”, de novo. Todos.
Professor e historiador como profissão – mas um cara que escreve com (o) paixão.