29 de abril de 2024
Colunistas Ilmar Penna Marinho

Em busca do tempo reencontrado de Proust

“E logo, maquinalmente, acabrunhado pelo dia tristonho e a perspectiva de um dia seguinte sombrio, levei à boca uma colherada de chá onde deixara amolecer um pedaço de madeleine”, célebre trecho da obra “No Caminho de Swann” de Marcel Proust, volume inicial do instigante ciclo “Em Busca do Tempo Perdido”.

Na sua leitura, sentimos o cheiro e o gosto delicioso do “rechonchudo” Madeleine.

A obra nos cativa e nos leva a meditar, seduzidos pelas primorosas recriações dos ambientes da sua época, interagindo com as memorizações afetivas da sua remota infância e da maturidade.

A inovadora escrita revolucionou o processo narrativo do romance contemporâneo.

Imaginem o choque cultural de Proust diante da modernidade e dramaticidade dos tempos atuais. O desafio de sua exuberante escrita para retratar a vida afetiva e social do passado de confinamentos sanitários no lar, interagindo com o atual pesadelo de transportes urbanos lotados e ruas empobrecidas por lojas fechadas pela recessão e pelo desemprego.

Imaginem Proust lidando com descrições minuciosas de como conseguimos sobreviver à desprezada leitura dos jornais, em favor da onipresente internet, com suas efervescentes redes sociais, globalizando a nossa voz. Como algo sobrenatural do novo mundo…

Nos tornamos vítimas das circunstâncias e da condição temporal, iguais aos personagens de Proust. Além de recorrermos a “livros em que há coisas essenciais”, adquiriu-se o hábito de buscar curar a dor da solidão na internet, onde somos ouvidos.

Com a gradual volta da normalidade da vida cotidiana, o tempo perdido de Proust vem sendo recuperado pelo tempo “redescoberto”, em que se consagra a supremacia da comunicação digital, haja visto a substituição do sociável emprego presencial pelo recluso home office.

A voz narrativa de Proust se surpreenderia com o tempo “redescoberto”. Por certo, satirizaria, em longos parágrafos, as invasões tecnológicas digitais e visuais dos cibernautas onde “Todo ser humano tem direito à liberdade de expressão e opinião”. (Art.19 da Constituição Federal).

Hoje nos comunicamos do jeito que somos e falamos, numa linguagem simples e sincera, no tom da espontaneidade e do coração aberto, da forma direta para as nossas palavras sejam ouvidas e sejam entendidas.

Tonou-se hábito as pessoas se comunicarem em qualquer lugar, a tempo e hora: no metrô lotado, nas pracinhas de crianças felizes, no elevador, nos restaurantes, onde deseducadamente se interrompe a degustação para que os celulares se façam presentes.

É uma conquista da era moderna no campo do relacionamento humano.

Por mais surpreendente que possa parecer para a prosa proustiana, é notável essa expansão da tecnologia comunicativa.

Cada vez mais nos conecta com outras pessoas e há de construir diálogos ativos em prol da fraternidade e da união de todos, sob a proteção de Deus a guiar e abençoar o nosso destino de paz e de perpetuidade dos valores humanitários.

Continuamos à procura do tempo perdido em busca do avanço civilizatório…

Ilmar Penna Marinho Jr

Advogado da Petrobras, jornalista, Master of Compatível Law pela Georgetown University, Washington.

Advogado da Petrobras, jornalista, Master of Compatível Law pela Georgetown University, Washington.

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