

À noite, ouvi barulhos que pareciam com tiros. Pensei: devem ser tiros. Bem que gostaria de me enganar, imaginar fogos de artifício.
Houve choques entre polícia e bandidos na Lagoa. Na comunidade de São Carlos traficantes de bandos diferentes entraram em choque. Ao proteger o filho no tiroteio desenfreado, uma jovem mãe foi morta.
Na tv, as pessoas falavam de reféns nas mãos dos traficantes. Acrescentei que na realidade há mais de um milhão de reféns nas mãos de traficantes e milicianos no Rio.
Desde as últimas décadas do século passado, divulguei mapas mostrando como o Rio é dividido entre tráfico e milícia.
Essas regiões são intocadas. Inclusive durante as campanhas eleitorais eles deixam entrar apenas os candidatos que lhes são simpáticos.
Nunca aceitei essa situação. Algumas vezes, tive de sair um pouco as pressas, com medo dos fuzis e metralhadoras.
Não há solução para isso. Seria preciso uma decisão social muito clara para libertar as áreas ocupadas do Rio. Além disso, seria necessária uma tática especial.
A idéia de a policia entrar na favela atirando e desrespeitando a população torna mais ineficaz ainda a política de segurança.
Não há solução à vista. O Governador está às voltas com o impeachment. O prefeito luta pela reeleição. O governo federal é limitado, em primeiro lugar pela sua proximidade com as milícias, em segundo lugar pela suas opções táticas violentas, inadequadas para esse tipo de conflito.
Nos Estados Unidos coisas ruins acontecem. Mas a sociedade se move. O movimento de solidariedade pelo fuzilamento de um negro pelas costas, em Kenosha, Wisconsin, tornou-se nacional. A NBA fez uma paralisação simbólica, houve repercussão no basquete feminino, no futebol americano e no tênis.
Eles estão pressionando por soluções. Aqui parece que ficamos anestesiados. Inclusive os barulhos de tiros começam mesmo a parecer com fogos de artifício.
Se continuar assim, cairemos sob o domínio de milícias e traficantes numa escala ainda mais alarmante do que agora.
Fonte: Blog do Gabeira