A Dinamarca resolveu dispensar a vacina da Astrazeneca. Na França, o Primeiro Ministro Jean Castex falou do Brasil e do uso da hidroxicloroquina por aqui, arrancando risos dos deputados. E alguns países da Europa que já haviam negociado com a Johnson e Johnson ficaram preocupados com a interrupção.
Tanto no caso da interrupção da Astrazeneca como o da Johnson e Johnson a causa foi a aparição de coágulos em alguns dos vacinados.
Aparição em número bem pequeno. No caso da Astrazeneca, 79 ocorrências em 20 milhões de vacinados. No caso da Johnson, o número de casos foi de menos ainda e atingiu seis mulheres.
As mulheres foram principalmente atingidas por esse problema e isso certamente vai desfechar uma série de pesquisas para explicar as razões.
O Ministro da Saúde do Brasil anunciou que as vacinas da Pfizer começarão a chegar no final de abril. O anúncio é uma boa notícia e até pomposo. Acontece que se chegarem dois milhões de doses, eles dariam apenas para um dia de vacinação. Já ajuda, mas ainda é pouco.
Hoje participei de uma live no Instituto FHC ao lado do querido Eduardo Giannetti. Fomos provocados pelo também querido Sérgio Fausto e nosso inglório tema era explicar porque somos tão indisciplinados quanto povo diante dessa terrível pandemia.
Muitos dos meus argumentos já foram apresentados aqui, no dia a dia, e também em artigos de jornal. Comecei essa linha de interrogação quando li no Jorge Luis Borges que os argentinos eram indivíduos e não cidadãos.
Pensei comigo: os brasileiros também têm essa tendência. E lembrei-me do livro do Sérgio Buarque de Holanda, Raízes do Brasil. É um livro escrito há quase 80 anos, em 1943, mas ainda apresenta muitas chaves de interpretação do Brasil.
Buarque afirma que o traço singular dos colonizadores espanhóis e portugueses é a valorização da autonomia do indivíduo diante dos outros e que a independência pessoal, o não precisar da comunidade, é considerada um valor.
A partir daí fizemos um debate com muitos argumentos, alguns também já debatidos aqui. Giannetti falou da disciplina no Vietnã que, com seus 93 milhões de habitantes, venceu o coronavírus graças à força coletiva de seu povo.
Por acaso já havia escrito sobre o Vietnã e a Inglaterra chamando a atenção para o fato de que tiveram que se unir em guerras relativamente recentes contra um grande inimigo. Essa experiência de união durante a guerra talvez ajude a se ter uma resposta solidária e nacional.
Mencionei a tempestade perfeita que se abateu sobre o Brasil. Com nossa tendência a viver o presente, nossa dificuldade em aceitar regras, coincidiu também com a presença de um presidente que, em nome da liberdade, estimula o individualismo e a anarquia.
Falamos da importância do individualismo, do valor da liberdade pessoal, mas em certos momentos históricos a ausência de um equilíbrio com o respeito às regras , em nome também da segurança coletiva, tornou o Brasil mais vulnerável.
Foi o segundo debate que participei na semana. No seminário da Universidade de Oxford sobre o Brasil falei um pouco sobre a decadência da democracia ao longo do processo de eleições nos últimos anos e de como estamos distantes de seguir nossa própria Constituição, no respeito ao direito à saúde, da autonomia de povos indígenas e também na superação do racismo, algo já lembrado por Joaquim Nabuco no livro que escreveu um pouco antes da Abolição: a mentalidade de um país escravocrata tomará muitos anos e a tarefa do futuro é completar em profundidade o processo abolicionista.
Fiz muitos discursos essa semana. Se contar também com as falas na tevê e os artigos para Globo e Estadão, creio que falei demais e nem eu estou aguentando mais minha voz.
Fonte: Blog do Gabeira