“Pérolas de Consultório” – Manual de Sobrevivência do Profissional Zen
Existe um ecossistema muito particular que habita os consultórios médicos pelo Brasil — especialmente os de cirurgia plástica.
Um ambiente onde se misturam indecisos profissionais, turistas de orçamento, filósofos de última hora e negociadores dignos de feira livre.
Todos eles têm um repertório de frases tão repetidas que poderiam ganhar bordão fixo em novela das nove, muito embora não seja propriedade exclusiva da Medicina.
E, sejamos francos, para quem atende, lidar com essas “pérolas” é quase um esporte olímpico: requer paciência zen, improviso teatral e diplomacia suíça em doses iguais.
A seguir, um breve inventário dessas expressões folclóricas — acompanhado de respostas certeiras e das respectivas “traduções internas”, aquelas que ficam ali, presas entre o pensamento e o sorriso profissional.
1. “VOU PENSAR E TE FALO.”
Ah, o clássico. A consulta flui, tudo esclarecido, orçamento feito, cirurgia praticamente marcada… e, no final, a pessoa aciona o modo “filósofo existencialista”.
Resposta afiada:
“Perfeito! Decidir com tranquilidade é fundamental. Só peço que, caso queira seguir, nos avise o quanto antes — a agenda costuma ser concorrida.”
Tradução interna:
“Pense com calma… só não demore igual votação no Congresso. A agenda não gira por telepatia”.
2. “PRECISO FALAR COM MEU MARIDO/MINHA MULHER”
Essa é linda. A pessoa conduz toda a consulta sozinha, decide tudo sozinha, mas no último segundo surge o(a) grande oráculo do lar — o CFO doméstico. A entidade invisível que decide tudo.
Resposta estratégica:
“Excelente ideia envolver o(a) parceiro(a)! Podemos agendar uma breve conversa com vocês dois e evitar o ‘telefone sem fio’.”
Tradução interna:
Perfeito, convoque o Ministério das Finanças Conjugais. Afinal, toda cirurgia precisa da bênção do Comitê Central do Sofá.
3. “MANDE A PROPOSTA POR WHATSAPP QUE EU VEJO DEPOIS”
Bem-vindo ao território dos turistas de orçamento. Eles tratam a proposta médica como panfleto de pizzaria: olham, comentam com a tia, postam no grupo da família e… somem.
Resposta charmosa:
“Claro! Só reforço que a proposta tem validade — custos e agenda podem variar. Qualquer dúvida, me avise antes.”
Tradução interna:
Maravilha! Vai direto para a gaveta virtual onde repousam sonhos, cupons vencidos e planos de academia abandonados.
4. “ACHEI BEM MAIS BARATO EM OUTRO LUGAR”
Versão cirúrgica do “moço, faz por menos?”. O paciente não está ofendendo – está apenas testando sua elasticidade profissional.
Resposta firme:
“Ótimo que esteja pesquisando. Cada profissional tem estrutura e experiência próprias, e isso se reflete no valor. O importante é que se sinta seguro.”
Tradução interna:
Excelente! Cirurgia barata é tipo paraquedas de liquidação: pode até abrir… ou não. Boa sorte no pouso. E lembte-se, aqui não tem Black Friday. Tem Medicina.”
5. “FAÇA UM PREÇO BOM PORQUE TEM UMA FILA ESPERANDO O MEU RESULTADO”
A campeã nacional. Uma fila mística de primos, amigas e seguidores que jura que vai invadir o consultório assim que ela fizer a cirurgia.
Resposta bem-humorada:
“Fico feliz que confiem em você! Mas aqui o valor é igual para todos. O melhor marketing é um resultado impecável — isso sim atrai fila de verdade.”
Tradução interna:
Dependendo da fila já penso em iate, 10 anos de tripulação paga e, de quebra, vou batiza-lo “Laura”, em homenagem à minha linda neta.
Epílogo Clínico
Trabalhar na saúde brasileira exige técnica, empatia e uma boa dose de ironia elegante. Essas frases não são inimigas — fazem parte do folclore consultorial. Saber respondê-las com leveza e inteligência transforma potenciais armadilhas em interações deliciosamente humanas.
E quando, finalmente, aparece o paciente decidido — raro como uma ararinha azul desfilando pela Paulista — comemore em silêncio. Para os demais, mantenha o sorriso, a postura e, principalmente, o senso de humor.
Porque, no fim das contas, rir continua sendo a melhor anestesia.
