
Há vozes que o tempo não cala — apenas transforma em eternidade.
Vou seguindo pela vida
Me esquecendo de você…
Mas quem há de esquecer Milton? Quem consegue apagar do coração a voz que embalou gerações, que ensinou o Brasil a sentir e o mundo a escutar a alma das montanhas de Minas?
Bituca, o menino de Três Pontas, transformou o simples em sublime, o cotidiano em canto e o silêncio em harmonia.
Verdadeiro patrimônio cultural do país, Milton Nascimento é daqueles raros seres que não pertencem apenas ao tempo em que viveram: pertencem à eternidade.
Exímio compositor, excelente cantor, multi-instrumentista e, acima de tudo, insigne intérprete da própria alma humana. Sua voz — líquida, quente e transparente como o ouro que corre nas veias das Gerais — é o verdadeiro metal precioso de Minas.
Hoje, o corpo se curva, o vigor se desfaz, o tempo cobra o tributo que nem os gênios escapam. Mas o olhar… ah, o olhar de Milton ainda brilha com a luz das alvoradas que ele sempre cantou.
É um reflexo metafísico de sua grandeza: o corpo enfraquece, a mente se esvai, mas a alma segue inteira, luminosa, generosa e tão vasta quanto o horizonte das montanhas que o viram nascer.
Mas renova-se a esperança, nova aurora a cada dia…
Porque Milton nos ensinou que é preciso cuidar do broto, da arte, da amizade e da ternura, para que a vida nos dê flor; flor e fruto.
E os frutos que ele nos deu são inesgotáveis: “Travessia”, “Maria, Maria”, “Coração de estudante”, “Canção da América”, “Nada será como antes”. Canções que não envelhecem, porque foram feitas de verdade e de sonho.
Nada a temer senão o correr da luta…
Bituca nunca temeu o correr da vida. Cantou as dores e as alegrias, o amor e o exílio, a infância e a fé. E, ao lado do Clube da Esquina, deu vida ao mapa sonoro do Brasil. Ali, entre amigos e montanhas, ergueu um monumento invisível: o som da fraternidade.
Hoje, mesmo que a voz já não alcance os agudos de outrora, ela continua ressoando dentro de nós. Porque a música de Milton não depende do ar que vibra, mas do coração que escuta. Ele já se tornou silêncio — e ainda assim, continua canto.
Longe se vai, sonhando demais…
E é nesse sonho que o Brasil o acompanha. Bituca, caçador de si, de nós, do infinito. Mesmo quando o corpo se cansa, há uma força interior que o sustenta — o olhar sereno de quem sabe que cumpriu sua travessia.
O tempo pode levar a memória, mas jamais apagará a lembrança do que ele se tornou em todos nós. Milton é mais que voz, é sentimento coletivo. É o Brasil que deu certo — ao menos por um instante — quando se fez música.
E se há algo que permanece, é essa certeza doce e mineira: o ouro pode se perder no chão das Gerais, mas a voz de Bituca brilhará para sempre no céu da eternidade.

