30 de abril de 2024
Walter Navarro

The Walking Dead Paralíticos

dsc07255
Bom Dia! Vamos falar de morte?
Finados. Dia dos Mortos. Não os mortos-vivos, mas aqueles mortos mesmo, envelopados na frialdade inorgânica da terra! Tema fascinante que assusta. Não sei se já contei aqui, mas a Morte era o tema da minha tese de doutorado, na Sorbonne, em Paris, de 1991 a 1996. Não gosto de falar muito, porque me envergonho de não tê-la terminado. A culpa foi da Dilma!
Mas, mesmo assim, estou sempre refletindo e pronto a conversar durante horas e horas sobre o assunto.
Vamos direto ao que interessa. Finados ou os ritos da Morte.
A comemoração remonta aos Celtas e Romanos. Miscigenação cultural da boa, um tanto forçada, mas deu certo.
Dia das Bruxas, Dia de Todos os Santos. Dia dos Mortos.
“Quanto riso, Oh quanta alegria…”. Mentira. Aqui no Brasil e no Ocidente em geral é uma tristeza só e minha tese era exatamente sobre como desdramatizar a morte. É tão difícil, né? Principalmente quando acontece perto de nós. A dos outros é dos outros e o máximo que fazemos é dar pêsames, consolo, apertar mãos, seios, beijar, abraçar – para isso temos braços longos para os adeuses – ligar, ir ao velório, enterro ou Missa de Sétimo Dia. São os fundamentais ritos que devem ser respeitados, vividos e vivenciados.
A culpada deste drama, esta tristeza toda cheia de lágrimas, dizem, é nossa civilização judaico cristã. E a Dilma, claro! Uma novela mexicana que, ironicamente, como abordarei daqui a pouco, é justamente o contrário…
Vejamos.
Cada país trata a morte de um jeito. Cada cultura tem um protocolo. Tradições, hábitos. Gosto, particularmente, daquele negócio nos Estados Unidos de, depois do enterro, todo mundo ir pra casa do falecido, comer, beber, rezar, conversar, cantar a viúva que, se casar de novo, perde o pecúlio!. Corta um pouco o clima pesado. Aqui no Brasil é muito chato. Velório careta, choro, vela, enterro na terra ou cinzas no forno.
Depois, cada um pra sua casa ou pro bar, pra vida.
Há que se vivenciar a morte.
Nos países de clima frio, velórios duram vários dias e nem precisa embalsamar muito. No Brasil, com este calor panamenho, queniano e senegalês de derreter mármore; é um problema. O cheiro da morte… O líquido de Augusto dos Anjos que insiste em fugir dos cadáveres. O algodão no nariz… O inchaço tropical, os vermes em festa e delírio.
Necrofilia! Os Nelson: Rodrigues e Cavaquinho!
Velório é uma coisa interessante. Tem dos mais dramáticos aos mais engraçados, depende do morto, depende da morte do falecido, a idade…
Em “Dona Flor e seus Dois Maridos”, de Jorge Amado, tem até receita de velório. Café para todos e uma canja, ou algo semelhante, pra quem fica até o final…
Minha tese era sobre “As Representações da Morte na Televisão Francesa”. O material era escasso, a bibliografia idem. Tinha que beber nas águas do cinema, onde o tema é generoso.
Múmias no Egito! Canibalismo. Vampiros. A morte é tão fascinante que nos bota pra frente. É a consciência da finitude que nos impulsiona a viver. Ou, exatamente o contrário. Tem gente que passa e gasta a vida com medo, pensando na morte. Um belo exemplo é Manuel Bandeira, em “Pneumotórax”.
“Febre, hemoptise, dispneia e suores noturnos.
A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Tosse, tosse, tosse.
Mandou chamar o médico:
– Diga trinta e três.
– Trinta e três… trinta e três… trinta e três…
– Respire.
– O senhor tem uma escavação no pulmão esquerdo e o pulmão direito infiltrado.
– Então, doutor, não é possível tentar o pneumotórax?
– Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino”.
Manuel Bandeira era tuberculoso. Passou a vida inteira achando que ia morrer cedo, vivendo como se fosse morrer cedo. Morreu aos 84 anos.
Tango argentino, tudo a ver.
“O Último Tango em Paris” é morte o tempo todo. Com sexo.
Sabem como os argentinos definem e explicam o tango? “Um pensamento triste que se dança”.
Dia 31 de outubro foi aniversário de Carlos Drummond de Andrade. Autor de “É preciso ter mãos pálidas”.
É preciso navegar.
Viver não! Morrer.
Mas “no entanto é preciso cantar, mais que nunca é preciso cantar”.
Cantar, dançar, beber, comer, fazer carnaval.
Como no México, a Pasárgada de Hades.
PS: que o céu que nos protege também nos seja leve. RIP

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *