A localização de Brasília não tira os parlamentares apenas do centro econômico do País, mas principalmente da própria realidade. Juscelino deve ter descoberto um ar inebriante e disse: é aqui!
Apesar da experiência de décadas na política e do impeachment de sua antecessora, Temer caiu muito fácil nas armadilhas mal disfarçadas do poder. Desconsiderou regras elementares da arte de gerenciar crises ao não avaliar corretamente o cenário e mantendo níveis excessivos de confiança ou mau assessoramento.
Apesar dos fortes ventos que sopraram em Brasília na última quinta-feira, a temperatura subiu a níveis alarmantes para o Palácio do Planalto. Estava tudo combinado para anistiar o caixa 2, acabar com a Operação Lava-Jato e permitir noites de sono mais tranquilas a Renan, Temer e Maia.
Mas o plano tinha um furo imperdoável, só compreensível a quem entende a distância entre Brasília e a realidade do país. Um pequeno detalhe ao qual os parlamentares estão demorando muito a entender: a sociedade não aceita mais ser coadjuvante da história.
E, como desgraça pouca é bobagem, junto com a crise no Plenário da Câmara caiu sobre o colo de Temer a crise provocada pelo embate entre Geddel Vieira versus Marcelo Calero. Mais um deslize da equipe que deveria orientar o presidente na gestão de crises, se é que o presidente ouve conselheiros nessa área.
Até as baratas que circulam entre as cadeiras do Plenário da Câmara sabem que Temer deveria agido com extintor de incêndio ao primeiro sinal de fagulha. Esperou que o fogo se alastrasse e, pior, se envolveu desnecessariamente em questões pessoais de aliados. Precisou de carro-pipa e saiu chamuscado com gravidade.
O resultado de todas essas trapalhadas é um alerta vermelho ao governo federal: o povo nas ruas novamente. Com um agravante: o nível de beligerância nas redes sociais assustou até mesmo os organizadores desses movimentos. E o governo, evidentemente. Isso explica, por exemplo, a data de 4 de dezembro para a primeira manifestação.
Michel Temer errou ao comprar a briga de Geddel, principalmente pela densidade do seu envolvimento. Geddel não teve a grandeza de se afastar imediatamente e levou o chefe consigo para as profundezas.
Os parlamentares mantêm uma predileção exacerbada pelo patrimonialismo e o setor imobiliário é um fantasma que ronda as cadeiras presidenciais há muito tempo. Collor esteve às voltas com reformas milionárias na Casa da Dinda, Lula com apartamento no Guarujá e agora Temer, com um apartamento em Salvador absoluta e completamente irregular em local histórico. E o apartamento nem é dele
Temer sentiu o golpe e a gravidade da situação na sexta-feira e Geddel Vieira Lima entregou sua tardia carta de demissão. À noite, o presidente fez chegar aos meios de comunicação a notícia de que vetará a anistia ao caixa 2, caso ela seja aprovada na Câmara amanhã. É possível que os interessados tentem barrar o veto presidencial, mas para isso precisam de maioria absoluta.
Ficou mais difícil para Maia e Renan, porque diante da reação da sociedade, estima-se que poucas excelências tenham tanta coragem de enfrentar a ira dos seus eleitores.
Uma coletiva de emergência foi convocada, e Maia disse que não existia nenhuma emenda para aprovar o Caixa 2. Diante da insistência dos repórteres, ele disse que existia, mas não tinha sido assinada, portanto não existia. Deu para entender? É assim que funciona em Brasília.
A coletiva foi um golpe para matar dois coelhos. Explicar o “equívoco do caixa 2, e tentar neutralizar a entrevista do ex-ministro da Cultura, que rolou no Fantástico no domingo à noite.
Nesse embate não houve vencedores. Todos os lados extrapolaram todos os limites republicanos.
Em tempo: a delação da Odebrecht ainda nem começou! Aguardamos os 78 delatores da companhia.
Todo esse emaranhado de interesses escusos poderia ser evitado, não fossem as nossas excelências com tanta sede ao pote. Enquanto isso, o país continua parado, à espera das reformas estruturais tão importantes para que a economia destrave, empregos sejam gerados, investidores sejam atraídos e as pessoas tenham mais confiança em seus governantes. Simples? Talvez.
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