3 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Paris está em chamas?

Adolf Hitler adorava Wagner, cachorros, crianças e Paris. Por isso o mundo continua ameaçado.
Em 1940, logo no início da Segunda Guerra Mundial, os alemães penetraram a França e tomaram Paris. Foi mais fácil que o Marlon Brando enfiar um prego quente na manteiga.
Logo depois, Hitler visitou Paris pela primeira e única vez. Posou em frente à Torre Eiffel e até sonhou construir sua “Germânia”, mil vezes maior e mais bonita que Paris e Berlim.
Como artista frustrado, era e ficou encantado com a cidade. Principalmente porque, agora, era seu brinquedo favorito e praticamente uma colônia de férias – incluindo Champagne e mulheres – para recompensar os soldados alemães que voltavam de grandes e violentas batalhas pela Europa.
Acontece que Hitler também era o dono da bola e do campinho de futebol. Caso alguma coisa desse errado, ele acabaria com a diversão. E foi o que tentou fazer.
No final da guerra, “consciente” da inevitável derrota, ordenou a seus comandados que destruíssem Paris, antes que os Aliados – leia-se; os americanos – a liberassem. “Se eu não posso, ninguém pode, saio da brincadeira”.
Suas tropas chegaram a colocar bombas em todos os monumentos, incluindo a Torre Eiffel, a catedral de Notre Dame, pontes e os mais belos edifícios de Paris.
Hitler teria dado a ordem ao general Dietrich von Choltitz, governador militar da Paris ocupada. “À medida que a situação militar se deteriora, Choltitz atrasa a ordem de destruir Paris, acreditando que Hitler é louco e que a guerra se perde, tornando a destruição de Paris um gesto fútil. Ele prefere se render pouco depois que os Aliados entram na cidade”.
Tem até um filme cheio de estrelas, astros franceses e americanos, longo e chato, contando esta história.
Na última cena do filme, “enquanto as Forças Francesas Livres desfilam pelas ruas de Paris, recebidas por multidões, um telefone fora do gancho é visto com uma voz em alemão repetidamente perguntando ‘Paris está em chamas?’. Do ar, Paris é vista, seus edifícios ainda de pé.
Paris ainda tem marcas da guerra, continua linda, de pé, mas está ajoelhando-se, não necessariamente para rezar… E quando isso acontecer, será em direção à Meca…
Há 41 anos, quando conheci Paris, ela já não era a mesma. Claro, ainda bem. Mas não precisava exagerar. Paris ainda era Paris, a cidade mais linda do mundo, com mil perdões dos cariocas.
Paris ainda é, mas mudou muito, perdeu muito. Porque o mundo também não é o mesmo e nunca escrevi uma frase tão idiota, óbvia e realista como esta.
Paris não está em chamas, mas está derretendo, caindo e afundando. Não como o Polo Norte, a Ucrânia, Turquia e Síria, mas de uma forma mais sutil, não menos dolorosa.
Vocês estão vendo o que acontece em Paris e grandes cidades francesas, há mais de um mês? Greves, paralisações, “operações tartaruga” e manifestações gigantes. Não por causa de eleições, sem urnas eletrônicas, mas pela consequência da última, que reelegeu Macron, para mais cinco anos.
Já experimentei algumas e recomendo a ninguém uma boa greve de transportes e de lixeiros em Paris…
E qual o grande pecado de Macron? Num país em franca decadência; crise econômica, energética e alimentar, baixo poder de compra, mesmo com um dos maiores salários mínimos da Europa – 1200 euros – baixa natalidade, imigração em alta, desindustrialização, entre outras lamas; o governo quer que o francês cometa um verdadeiro suicídio: aposentar-se aos 64 anos, em vez de 62.
Bagunça geral e prejuízos gigantescos por causa de dois anos. Isso, com uma perspectiva de vida, com saúde, cada vez mais alta.
Isso me lembrou um texto que, há anos, circula na Internet, atribuído a certo “professor chinês de economia, Kuing Yamang, que viveu em França”. Parece mais um japonês de Pequim…
Piada, boato, “fake news”, gozação, pegadinha? Talvez e com certeza. Acontece que onde tem fumaça, tem fogo, nem que seja como aquele das chamas de Paris ou daquelas lareiras de televisão.
Peço vênia para reproduzir alguns trechos do professor chinês que não está rasgando euros, muito menos jogando pedra voos da Air France.
1. A sociedade europeia está em vias de se autodestruir. Os europeus não querem trabalhar. Só três coisas lhes interessam: lazer/entretenimento, ecologia e futebol na TV.
2. Seus industriais deslocalizam-se porque não suportam o custo de trabalho na Europa; seus impostos e taxas para financiar a assistência generalizada. (deslocalizar é quando a Lacoste cria seus jacarés no lago Titicaca no Peru, captaram?)
3. Seus governos “sangram” os contribuintes. A Europa detém o recorde mundial da pressão fiscal. É um verdadeiro inferno fiscal para aqueles que criam riqueza.
4. Não compreenderam que não se produz riqueza dividindo e partilhando, mas sim trabalhando. Porque quanto mais se reparte esta riqueza limitada menos há para cada um. Aqueles que produzem e criam empregos são punidos por impostos e taxas e aqueles que não trabalham são encorajados por ajudas. É uma inversão de valores.
5. A deslocalização da sua capacidade produtiva provoca o abaixamento do seu nível de vida e o aumento do… da China!
6. Dentro de uma ou duas gerações, nós (chineses) iremos ultrapassá-los. Eles tornar-se-ão os nossos pobres. Dar-lhes-emos sacos de arroz…
7. Existe outro cancro na Europa: funcionários demais, um emprego em cada cinco. Estes funcionários são sedentos de dinheiro público, são de uma grande ineficácia, querem trabalhar o menos possível e apesar das inúmeras vantagens e direitos sociais, estão muitas vezes em greve. Mas o governo acha que vale mais um funcionário ineficaz do que um desempregado…
8. Os europeus vão contra um muro e em alta velocidade…
Alguém aí se lembrou de algum país brasileiro?
Como avisei, o texto é antigo e as coisas não estão acontecendo exatamente como nas previsões do Kung Fu da Economia. Principalmente para a China que não está com esta bola toda, mesmo não respeitando propriedade autoral e abusando do trabalho quase escravo. O país comunista mais capitalista do mundo que, mesmo gigante, não tem como alimentar 1,4 bilhão de pessoas.
No Brasil, a maioria dos homens se aposenta, miseravelmente, aos 65. Na Alemanha também, mas em euros. Por essas e outras, muitos aposentados franceses, ingleses e alemães estão vivendo em Portugal.
Para terminar, um pouco de filosofia mais barata do que os diamantes do novo Lawrence das Arábias.
Trabalhar é mais difícil, menos divertido, mas melhor que roubar. E trabalhar no que gostamos não é trabalho, é “hobby”.
Quem quiser e puder aposentar-se depois de trabalhar 30 anos tem todo o direito. Como tem todo o direito de fazer nada, como ficar vendo a vida acabar em frente à TV ou bebendo café e água mineral com gás nos bares da Savassi, à tarde, falando do passado com outros velhos chatos.
Quem puder e quiser aposentar-se e continuar trabalhando com outra ou a mesma coisa, ótimo. Trabalho bem feito e com tesão é a melhor diversão e faz bem à saúde.
Quem é feliz, fez o que quis, aposentou-se bem e quer passar o resto da vida viajando, comendo e bebendo bem, divertindo-se, conhecendo gente e coisas novas, todos os dias, é um gênio e um escolhido dos deuses, incluindo os de granito.
Agora, o ideal mesmo seria aposentarmos aos 20 anos e só trabalhar depois dos 60. Claro, para que serve o dinheiro, sem saúde e vitalidade para aproveitá-lo?
O que esquecemo-nos de combinar com os russos é que a vida não é justa. Justa, só a calça da vizinha do 903, mas você mora no térreo, é paralítico e o elevador está quebrado.

PS: Quanto a mim, quero me aposentar em Paris, como bombeiro. A Notre Dame provou ao mundo que a cidade anda bem precisada.

Walter Navarro, Ritz – Paris, 11 de Março de 2023.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *