28 de abril de 2024
Colunistas Walter Navarro

Não percam o bonde da história

Mar de almirante, céu de brigadeiro e terra de general!
Nos anos em que fomos obrigados a usar máscaras, as verdadeiras máscaras caíram.
Então, esta coluna é para os amigos que sobraram, depois da faxina social e digital que andei fazendo. E principalmente para os amigos, “Patriotas de Sofá”.
Este texto também é para quem não votou e está arrependido, também no sofá, tranquilão.
Escrevo para a maioria dos brasileiros, que foi estapeada e não quer dar a outra face, muito menos a bunda, para a corja de vírus aqui e no mundo.
Agora entendo como as pessoas perdem a história viva: por preguiça, zona de conforto, desculpas esfarrapadas ou delegando o “trabalho sujo para os outros”.
Em vez de irem para as ruas, no caso de BH, uma linda avenida, preferem ficar em casa e protestar, no máximo, de tabela, pelo WhatsApp. Às vezes nem assim.
Esta crônica também vai para todos os brasileiros que, serelepes e saltitantes, lotam as ruas no Carnaval e na Parada Gay. Juro e prometo a todos que temos motivos mais nobres a festejar.
Em 1989, duzentos anos depois da Bastilha, quando despencou o Muro de Berlim, eu morava em Paris e vi tudo pela televisão. Só não peguei um trem para Berlim porque, para variar, não tinha dinheiro. Hoje, acho que deveria ter ido de qualquer jeito, até como mendigo, no inverno alemão. Teria participado de um grande momento da História, ao vivo e não apenas em cores.
Em “O Pastel e a Crise”, Otto Lara Resende escreveu sobre Rubem Braga: “Quando a crise convida ao pessimismo ou descambar na depressão, está na hora de ler”.
Otto continua: “Certa vez, no auge de uma crise, crivada de discursos e de diagnósticos, o Rubem estava de olho nas frutas da estação. Madrugador, cedinho já sabia das coisas. Quando o largo horizonte nacional andava borrascoso, ele se punha a par das nuvens negras, mas não mantinha o olhar fixo no pé-direito alto da crise. Baixava o olhar ao rodapé, pois o sabor do Brasil está também no rés do chão. Num dia de greve geral, inquietações no ar, tudo fechado, o Rubem me telefonou: Vamos ao bar Luís, na rua da Carioca? Vamos ver a crise de perto”.
No bar, depois de chopes, “Alguém por perto disse que a Vila Militar tinha descido com os tanques”.
E termina: “Vi agora na televisão que o maracujá está em baixa e me lembrei do velho Braga. Nem tudo está perdido. Fui à feira e comprei também dois suculentos abacaxis. Caem bem nesta hora de atribulação nacional. Só falta agora descobrir um bom pastel de palmito na Zona Norte. Se o Rubem estivesse aí, lá iríamos nós atrás da deleitosa descoberta. Depois, de cabeça erguida, enfrentaríamos a crise até o caos”.
O lírico Rubem Braga, apreciador das boas e simples coisas da vida, foi até repórter de guerra, o que não é para qualquer um. E certamente, em 1964, quando eu tinha dois anos de idade, ele e Otto eram homens feitos para testemunhar aquela época, usando cuecas e não fraldas.
Walter; repita! Fui ao Rio de Janeiro para o Sete de Setembro. Fui até mesmo ao comício do Ladrão – de dinheiro e votos – dia 18 de agosto, na Praça da Estação, em BH. Fui para ver ao vivo, para não ficar repassando imagens e áudios, a maioria falsa. Então posso falar que mato a cobra e mostro o pau de 15 cm.
No caminho para a Praça da Estação, vi o povo de verdade, correndo e descendo a Afonso Pena, pegando ônibus para casa. Viagens diárias e, com certeza, de mais de duas horas, para ir e voltar. Na Praça da Estação, só tinha militante (vagabundo) de vermelho. Vi com meus olhos. Fui reconhecido e expulso.
Assim como, há exatos 10 anos, em vez de pegar o bonde andando, fui a Cuba e passei cinco dias e noites memoráveis em Havana. Aprendi também, sem intermediários. Aprendi até sobre o desarmamento, com um policial me tranquilizando: “Aqui em Cuba, só a Polícia e o Exército têm armas”.
Voltando a 2022 e de novo sendo “Omar Lúcio” (repetitivo): já passei várias horas na Praça da Liberdade, verde e amarela, como no dia 29 de outubro, véspera do segundo turno de “plástico”. Com o “maravilhoso resultado incontestável” fui, assim mesmo, contestar na Raja Gabaglia, dia 2 de novembro: cinco horas sob chuva e frio.
Não tenho como ficar em BH, pelo mesmo motivo que não fui a Berlim, pegar um pedaço do “Muro da Vergonha”, aquele, que o verde violou.
Por isso, estou Barbacena e, ontem, fui praticar a Resistência Civil, protestando, pacificamente, em frente à Escola Preparatória de cadetes do Ar – EPCAR, da aeronáutica, já que aqui não temos quartel, como na Raja Gabaglia.
Juro que não doeu e valeu a pena, mesmo com pouca gente. Em 1993, passei um aperto no cu da Bélgica, voltando da mesma Berlim. Longa história! Mas, um belga me ajudou e, de novo, aprendi, com seu pedido de desculpas: “Cidades pequenas, mentes pequenas”.
No mais, que show de patriotismo Brasil afora e adentro, principalmente nas grandes cidades, claro.
Dou desconto total para quem, por motivos de saúde ou de trabalho, não pode participar. Mas e o resto?
Meus amigos e idolatradas, nem que sejam apenas duas horas! Duração de um filme medíocre na Netflix. Ou dois capítulos de uma série qualquer que, como o céu, pode esperar.
Já 2022 – o ano que nunca vai acabar – não pode esperar. Nós também não.
A Raja Gabaglia tem um quartel e o quartel tem um lindo gramado, em frente às grades que protegem nossa Liberdade. É um bom passeio.
Alguns ainda não perceberam, mas estamos conhecendo e defendendo um Tiradentes de verdade. Vivemos um momento histórico. E parte deste momento, ironicamente, está sendo contado por um argentino clandestino, porque o Brasil foi amordaçado. E o sobrenome dele é perfeito: Fernando CeriMEDO…
Vivemos também para ver gente “boazinha” defendendo o que sempre condenou no Regime Militar: jornalistas brasileiros obrigados a escrever nos EUA; censura, redes sociais derrubadas, perseguições; o Império das Mentiras, prisões arbitrárias.
Com os militares não tínhamos eleições. Na democracia temos, mas com a típica fraude das Repúblicas de Bananas e até dos EUA de Trump! E mais: vemos a boa e velha impunidade convidando a corrupção, de volta à cena do crime, para saquear o resto.

PS: É fácil perder o bonde, basta um piscar de olhos, virar as costas, seguir uma bunda bonita que passa, distrair-se ou ficar sentado no sofá, comendo pastel.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *