4 de maio de 2024
Colunistas Walter Navarro

Eu também quero a “Bolsa História”

Nem sempre quem procura, acha. Não achei um texto do Arnaldo Jabor, onde, brilhantemente, ele explica a posição política de nossos maiores artistas, como Chico Buarque e turma.

Mas a crônica tinha a ver com a filha do homem, Anna Freud que, descobri agora, morreu quando completei 20 anos, 9 de outubro de 1982.

Jabor tratava da Negação. Para o pai de Anna, Sigmund, “a Negação é um mecanismo de defesa que, basicamente, é recusar-se a reconhecer que um evento ocorreu. A pessoa simplesmente age como se nada tivesse acontecido, se comportando de maneira que outros podem ver como bizarro. Esse mecanismo de defesa também pode ter um elemento consciente significativo, onde a pessoa simplesmente ‘faz vista grossa’ para uma situação desconfortável”.

Trocando em miúdos, a verdade dói. E o batom na cueca é tudo, menos batom e assim, vai para a CPI das “Fake News”.

Chico continua bardo do “Trenzinho da Alegria”, aqui e fora do Brasil, como recentemente, em Lisboa, onde recebeu o Prêmio Camões 2019.

Nos agradecimentos, ao lado do motorneiro do trenzinho, Chico soltou o verbo e pediu “reparação histórica”.

Segundo o autor de “Cale-se”, entre outros hinos de protesto contra a “ditadura militar”, cito: “recuando no tempo, em busca das minhas origens, recentemente, vim a saber que tive por duodecavós paternos, o casal Shemtov ben Abraham, batizado como Diogo Pires e Orovida Fidalgo, oriundos da comunidade barcelense. A exemplo de tantos cristãos-novos portugueses, sua prole exilou-se no Nordeste brasileiro do Século 16. Assim, enquanto descendente de judeus sefarditas, perseguidos pela Inquisição, pode ser que algum dia eu também alcance o direito à cidadania portuguesa a modo de reparação histórica”.

Chico tem tanta saudade da censura da ditadura que, 50 anos depois, censura suas próprias músicas, como fez em “Com Açúcar, Com Afeto”, para ele, machista…

Tomara que não faça a mesma coisa com duas de suas mais belas canções, onde ele, sem tortura, já confessava suas possíveis, várias e variadas origens.

Em “Mambembe” (1972), canta: “cigano, mendigo, malandro, moleque, mulambo; escravo fugido ou louco varrido; vou fazer meu festival. Poeta, palhaço, pirata, Corisco, errante judeu”…

Em “Fado Tropical” (1973), com Ruy Guerra: “Todos nós herdamos no sangue lusitano, uma boa dose de lirismo, além da sífilis, é claro”.

Sinceramente; que o tiro não saia pela culatra e Chico não acabe queimado vivo, numa fogueira, em Portugal ou Espanha, por onde o trenzinho também passou. Com um detalhe, o motorneiro entendeu ou não quis entender as perguntas dos jornalistas, mesmo com intérprete; mesmo em português.

Chico entendeu, mas deve ter mudado o assunto para temas mais amenos que a criação de Israel e a guerra na Ucrânia; como a situação de seu Fluminense, o momento do Corinthians ou o incontornável futebol chinês, tão caro ao maquinista do trem.

Depois do discurso de Chico, li que cerca de 1/5 da população brasileira tem alguma ligação genética ancestral com judeus sefarditas. E que, nesse momento, muitos projetos têm buscado a reconexão e a redescoberta da identidade dos Bnei Anusim, descendentes dos judeus expulsos da península ibérica (Portugal e Espanha), nos Séculos 16 e 17, por Decreto Real.

E é aí que entra minha boquinha. Vou querer também esta reparação histórica, senão eu conto para todo mundo.

Como? Por quê? Já explico.

Mas antes, preciso resgatar uma pérola da MPB, “Dormi no molhado”, com Moreira da Silva: “Eu quando vejo um rapaz da sua idade estendendo a mão, dele não tenho compaixão. Porque não me conformo, ver um homem de talento não querer trabalhar, sempre no me-dá-me-dá”.

“Me-dá-me-dá” é um ancestral da “Bolsa Família” e Moreira continua: “Enfrentei uma marreta na pedreira São Diogo, quebrando pedra roliça, passando a pão e a lingüiça, dormindo no cais do porto, no meio da sacaria, onde os ratos ‘dormia’, onde ventava e chovia”.

Mesmo assim e sem pedir esmola, “cortei asfalto na linha, fui vendedor de galinha, carreguei cesto na feira, fui garçom de gafieira; comia numa tendinha, que só fritava sardinha com azeite de lamparina. Fui peixeiro, carvoeiro, quitandeiro; fui bicheiro, apanhei como um ladrão, mas não mudei de opinião”.

Esta letra, além de engraçadíssima, ensina: em vez de dar a sardinha, mesmo no azeite de lamparina, melhor ensinar a pescar.

E porque tudo isso? Porque falo muito de Paris, me acham até repetitivo, saudosista e esnobe; mas nem todos sabem que cortei um dobrado lá.

Entre 1989 e 1991, nunca dormi no molhado, mas vivia na pindaíba. Como aquele personagem do Jô Soares, eu “vivia de bec”, vivia de bico. Fiz muito trabalho de imigrante, sem reclamar, afinal, eu estava em Paris; aquela festa…

Já contei que fui até coveiro por um dia! Num destes “empregos” maravilhosos, não dormi no molhado, mas vivia molhado porque, sem saber dirigir um tipo de lambreta, como estas do iFood de hoje, entregava refeições, no centro de Paris, horário de almoço.

Naquelas ruas medievais, estreitas e engarrafadas, com chuva, em pleno inverno, eu rodava por todo o Centro e vivia caindo. Voltava pra casa, ensopado e cheio de hematomas.

E aí, finalmente, chego à reparação histórica, ou quase…

Um dia, meu jovem patrão, um legítimo FDP francês, pegou minha ficha, leu meu nome, começou a rir e disse: “Que chique! Um nobre trabalhando para mim, entregando saladas…”.

Ele disse isso, porque, na Europa, principalmente na França, quem tem um “de” no nome, é nobre. No meu caso, Walter Paraíso Ribeiro “de” Navarro Filho.

O “de”, nos países de origem latina, é sinal de nobreza; equivale ao “of ” britânco; ao “van” Gogh holandês; ao “von” Beethoven, alemão e até ao “bin” Laden saudita.

Para piorar a gozação, nos túmulos de todos os reis e rainhas da França, lê-se: “Roi de France et de Navarre” ou seja, Rei da França e de Navarra… “De Francorum et Navarrae rex”… Rei de tudo!

Quem não quiser ler História, aconselho o filme, “A Rainha Margot” (1994), com a linda e deliciosa Isabelle Adjani. Está tudo lá e com muita violência, incluindo a conturbada trajetória do marido de Margot, Henri IV da França que já era rei de Navarre, no momento de sua ascensão, em 1589.

Detalhe: Margot era católica, Henri era protestante. Imaginem no que deu: um banho de sangue protestante que deixou o rio Sena vermelho, no episódio que ficou conhecido como o “Massacre da Noite de São Bartolomeu”, em 1572.

Para os preguiçosos, vou tentar resumir. Rei ou Rainha de França e de Navarre, porque eles reinavam igualmente sobre os dois reinos. Fronteira com Navarra na Espanha, País Basco…

Ao contrário do Chico Buarque, não sei quem foram meus duodecavós. Mas sei que, muitos judeus perseguidos, chegaram ao Brasil e adotaram o sobrenome da região de onde eram oriundos…

Assim como Chico, existe a possibilidade de eu ser descendente de cristãos-novos, não portugueses, mas espanhóis, que também aportaram no Nordeste brasileiro do Século 16.

Se Chico Buarque é de Holanda e não de Cuba ou de Venezuela; sou Walter de Navarro.

Vou pesquisar! Se eu for descendente de judeus sefarditas, perseguidos pela Inquisição, também quero o Prêmio Camões e a reparação histórica.

PS: Se eu não for descendente de judeus sefarditas e para fugir da Inquisição no Brasil, quero meu trono de volta, o Reino de Navarra e Navarre. Depois, se for o caso; troco-o por um cavalo. Não, uma égua!

Walter Navarro, Faixa de Gaza, 28 de Abril de 2023

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

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