19 de abril de 2024
Walter Navarro

A eternidade de uma maçã


Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de Adriana Calcanhoto, Rita Lee.
Eu votei no Bolsonaro.
E adoro Picasso, embora prefira Modigliani.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto ler, ver, ouvir, trocar e entender.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto da Segunda Guerra Mundial.
Da Primeira, um pouco menos. Afinal, são apenas 30 ou 100 anos.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de paz.
Eu votei no Bolsonaro.
Mas faço amor e carinho.
Trepo e escalo – quando consigo.
Eu votei no Bolsonaro.
E penso, quem sabe até existo.
Eu votei no Bolsonaro.
E durmo, tomo banho.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de ver o mar.
Eu votei no Bolsonaro.
E queria ser Robinson Crusoé.
Eu votei no Bolsonaro.
E nasci em Barbacena, mas não exerço
Eu votei no Bolsonaro.
E deixo a porta aberta.
Eu votei no Bolsonaro.
E nunca matei.
Mas já roubei.
Beijos e cinzeiros.
Eu votei no Bolsonaro.
E adoro Vinicius de Moraes.
Et Louis-Ferdinand Céline.
Eu votei no Bolsonaro.
E falo francês.
Eu votei no Bolsonaro.
E prefiro o peito de frango.
De mulher também: peito, coxas, entre coxas, pés e cabeça.
Eu votei no Bolsonaro.
Fumo mentolados e de longe sou normal, quase feliz.
Eu votei no Bolsonaro.
De lá pra cá não sei.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto do Leblon, do Largo do Arouche, da Savassi.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de François Truffaut.
E Visconti.
E panetone com chocolate.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de avelã, churrasco, alface.
Eu votei no Bolsonaro.
E não bebo, não cheiro, não fumo.
Mas minto um pouco.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de Tim Maia
Eu votei no Bolsonaro.
E já fui à Cuba. E gostei. E voltaria.
Eu votei no Bolsonaro.
E quero morrer em Paris, no Jardim de Luxembourg.
Ou na rue de Lille.
Ou na rue de la Roquette que termina, como tudo, no Père Lachaise.
Eu votei no Bolsonaro.
E tenho um coração de ferro, uma cabeça de borracha.
Tijolos de feltro.
Velcro.
Eu votei no Bolsonaro.
Mas não sou cachorro não.
Infelizmente.
Eu votei no Bolsonaro.
E sei escrever meu nome.
Eu votei no Bolsonaro.
E se me derem a letra, eu canto.
Eu votei no Bolsonaro.
E adoro vinho tinto francês.
Italiano, português e espanhol também.
Inglês, não.
Eu votei no Bolsonaro.
E tenho um amigo inglês que já foi hindu.
Eu votei no Bolsonaro.
E vejo televisão, uso Internet.
Eu votei no Bolsonaro.
E espero nunca ter machucado alguém.
Mais do que me machuquei, pelo menos.
Eu votei no Bolsonaro.
E já tive aquário, com peixe e pedrinhas.
Eu votei no Bolsonaro.
E fiz pactos.
Pacotes.
Eu votei no Bolsonaro.
Bebo água e aguardente (cachaça).
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de gente.
Eu votei no Bolsonaro.
E não gosto.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto do Bolsonaro.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de Guinness.
Eu votei no Bolsonaro.
E prefiro mulheres totalmente depiladas.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de taioba, quiabo, jiló.
Eu votei no Bolsonaro.
E não sei dançar.
Eu votei no Bolsonaro.
E duvido de coisas que até Deus faz.
Eu votei no Bolsonaro.
E choro.
E rio ainda mais.
Não só em janeiro.
Eu votei no Bolsonaro.
E nasci em outubro.
Eu votei no Bolsonaro.
Solidão com vista pro mar.
Eu votei no Bolsonaro.
E ainda não li todos os meus livros.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de Hemingway.
Eu votei no Bolsonaro.
E tenho, mas não gosto de armas.
Eu votei no Bolsonaro.
E Adeus às Armas.
E Paris é uma Festa.
Eu votei no Bolsonaro.
E as coisas não precisam de mim.
Eu votei no Bolsonaro.
E tenho um monte de CDs.
Eu votei no Bolsonaro.
E te amo, te venero, te idolatro.
Eu votei no Bolsonaro.
E não ladro, não mordo, mas chupo.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de laranja e tangerina.
Eu votei no Bolsonaro.
E ainda faltam a Irlanda e o Marrocos.
Eu votei no Bolsonaro.
E continuo a buscar tempo e ilusões no Achados e Perdidos.
Eu votei no Bolsonaro.
E gosto de Marina e Tom Jobim.
Eu votei no Bolsonaro.
E sonho que durmo.
Eu votei no Bolsonaro.
E passo este e outros carnavais sozinho.
Eu votei no Bolsonaro.
E abro os braços pra fazer um país.
Eu votei no Bolsonaro.
Porque os brutos também amam porque também já mamaram.
E tudo isso é pra ver se você volta, se você olha pra mim.
PS: Ainda bem que o voto é secreto.

Walter Navarro

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Jornalista, escritor, escreveu no Jornal O Tempo e já publicou dois livros.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *